Boletim Bocater

A operacionalização da venda de imóveis da União via fundo de investimentos

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Como noticiado em Boletim Bocater anterior, em 11 de janeiro deste ano, a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados (SEDDM), vinculada ao Ministério da Economia, lançou, publicamente, a iniciativa “Incorpora, Brasil!”, que prevê a alienação de imóveis da União por meio da constituição de Fundos de Investimento Imobiliário (FII).

Ainda que a iniciativa represente a primeira medida coordenada, estruturada pelo Poder Executivo, para alienar um conjunto substancial de ativos imobiliários, a autorização para a constituição desses veículos de investimento já era prevista pela Lei nº 13.240/2015[1], em seu art. 20[2]. De acordo com o caput desse artigo, os imóveis de propriedade da União e seus respectivos direitos reais poderão ser destinados à integralização de cotas em fundos de investimento.

Frente a essa disposição, e para que fosse possível efetivar a operação, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, elaborou uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU)[3], em que questiona qual seria o tratamento orçamentário aplicável às operações de integralização de cotas de fundos de investimento imobiliário com patrimônio imobiliário da União. Especificamente, as seguintes perguntas foram remetidas ao Tribunal: (i) “a integralização de imóveis em cotas de FII requer dotação e execução orçamentária?”; e (ii) “a integralização de imóveis em cotas de FII requer a previsão e reconhecimento de receita orçamentária?”.

Para que esses questionamentos fossem elucidados, o processo foi remetido à Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) e à Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado (SECEXAdmin) para instrução processual.

Na visão da Semag, a operação em análise requer dotação e execução orçamentária e, ainda, previsão e reconhecimento orçamentário, em razão do disposto pelos arts. 167, incisos I e II, da Constituição Federal[4]; pelos arts. 48 e 48-A da Lei Complementar nº 101/2000[5]; e pelos arts. 2º, 3º, 4º, 6º e 7º, §2º da Lei nº 4.320/1964[6].

Por outro lado, a SECEXAdmin, sustenta que a integralização de imóveis em FII não requer a previsão nem o reconhecimento de receita orçamentária e não deve constar como dotação na Lei Orçamentária Anual.

De acordo com o ministro relator, Jorge Oliveira, a tese formulada pela Semag teria sido estruturada a partir da premissa de que a alienação de imóveis, via FII, seria bifásica. Em um primeiro momento, seria realizada a venda do imóvel da União e, quando do ingresso dessa receita, seria efetivada uma despesa para a aquisição das cotas do FII. Haveria, portanto, um fluxo financeiro no caixa do Tesouro Nacional, em razão do ingresso de receitas e da realização de despesas públicas.

Esse entendimento, segundo o ministro relator, estaria equivocado, uma vez que simultaneamente à integralização dos imóveis há o recebimento, pela União, das cotas de sua titularidade, e não há, portanto, o fluxo financeiro de valores por parte do Poder Executivo.

Assim, a consulta deveria ser respondida nos seguintes termos: “a integralização de imóveis em cotas de fundos de investimento imobiliário é uma espécie sui generis de transação, que não requer nem dotação e execução orçamentária, nem previsão e reconhecimento de receita orçamentária”.

Após a apresentação de sua proposta de acórdão, o ministro André Luís de Carvalho pediu vista dos autos e, em razão da realização de uma reunião técnica com a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, votou pela inclusão de novos itens no dispositivo da decisão, para que esta dispusesse sobre a estruturação, a governança, a transparência e o controle dos FII.

Assim, para além da fixação daquela tese, aplicável a todos os fundos de investimento imobiliários constituídos pela União Federal, ainda restou previsto que os valores recebidos pela União à título de rendimentos pagos pelo fundo – que corresponderiam a uma receita orçamentária – devem ser registrados contabilmente.

Para garantir a transparência dessas operações o Poder Executivo deve avaliar a necessidade de edição de um ato normativo próprio, para dispor sobre a forma de escrituração e registro dessas operações, já que devem ser registradas em contas patrimoniais específicas e disponibilizadas nos balanços da União.

De igual modo, o Ministério da Economia deverá avaliar a pertinência na edição de um decreto regulamentador para definir: (a) natureza jurídica dos bens públicos após a sua integralização no FII (pública ou privada); (b) como será estruturada a governança do FII para que haja a efetiva segregação das funções e definição das respectivas responsabilidades dos administradores; e (c) como será realizado o controle administrativo e social sobre a gestão do patrimônio público aportado ao FII.

Esse caso evidencia a ampliação do diálogo do TCU com o Poder Executivo para a estruturação de processos de desestatização, bem como a adoção de uma postura de autocontenção por parte do Tribunal que, em detrimento da fixação de balizas rígidas, confere à União a oportunidade de dispor sobre a forma de implementação dessa iniciativa.

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[1] Lei nº 13.240/2015 – “Dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos; altera a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, e os Decretos-Lei nº s 3.438, de 17 de julho de 1941, 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; e revoga dispositivo da Lei nº 13.139, de 26 de junho de 2015”.

[2] Lei nº 13.240/2015 – “Art. 20. Os imóveis de propriedade da União arrolados na portaria de que trata o art. 8º e os direitos reais a eles associados poderão ser destinados à integralização de cotas em fundos de investimento. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)”.

[3] TC 044.220/2021-9 – “SUMÁRIO: CONSULTA FORMULADA PELO MINISTRO DA ECONOMIA. INTEGRALIZAÇÃO DE COTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A PARTIR DA DESAFETAÇÃO E DA DESINCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO. DESNECESSIDADE DE DOTAÇÃO E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA, BEM COMO DE PREVISÃO E DE RECONHECIMENTO DA RECEITA ORÇAMENTÁRIA. NECESSIDADE DE GARANTIA DE TRANSPARÊNCIA MEDIANTE REGISTRO EM CONTAS PATRIMONIAIS”.

[4] Constituição Federal – “Art. 167. São vedados: I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

[5] LC 101/2000 – “Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Art. 48-A.  Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009)”.

[6] Lei nº 4.320/2000 – “Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.

Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.

Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°.

Art. 6º Todas as receitas e despesas constarão da Lei de Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções.

Art. 7º § 2° O produto estimado de operações de crédito e de alienação de bens imóveis somente se incluirá na receita quando umas e outras forem especificamente autorizadas pelo Poder Legislativo em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las no exercício”.

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