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TCU decide que não possui jurisdição sobre débitos contratuais anteriores à privatização

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O Tribunal de Contas da União (TCU) estabeleceu, em decisão publicada em de março, que a privatização de entidade federal afasta a sua competência para apurar eventual débito, decorrente de execução contratual, ocorrido anteriormente à privatização.

Em julgamento do Processo de Prestação de Contas nº 033.589/2011-9, o TCU identificou – com base no Relatório de Auditoria de Gestão da CGU – inconsistências na prestação de contas anual da Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre), referente a 2010, que até então era uma sociedade de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

Dentre as inconsistências apresentadas no Relatório, verificou-se o não atendimento de dois contratos de Tecnologia de Informação firmados entre a Eletroacre e a empresa Totvs. Após a realização de uma inspeção, determinou-se a instauração de uma Tomada de Contas Especial (TCE), autuada sob o nº 005.757/2015-0, para apurar a responsabilidade pelo prejuízo causado à Empresa em virtude de sanções aplicadas nos exercícios de 2011 a 2013.

Posteriormente, foi determinado a suspensão do processo de Prestação de Contas, diante da constatação de uma correlação direta entre estes autos e os que estavam em análise no processo de TCE e, também, no Processo TC nº 028.434/2010-2, que tratava de prestação de contas da empresa no ano de 2009.

Nesse ínterim, em 2018 – antes do julgamento de tais processos –, a Eletroacre foi vendida para a empresa Energisa, como parte do processo de privatização do conjunto de distribuidoras de energia do grupo Eletrobras. Uma vez privatizada, o Tribunal reconheceu, nos autos da TCE, a ausência de jurisdição para exigir o ressarcimento de valores, pois, em tese firmada pelo ministro relator Aroldo Cedraz, a venda do controle acionário pressupõe que o comprador assuma os bens, direitos e obrigações decorrentes da operação, nos termos do art. 234 da Lei 6.404/1976[1].

Desse modo, um eventual reembolso aos cofres da empresa, agora privada, não atenderia ao pressuposto que enseja a instauração de processos dessa natureza, qual seja, a recomposição integral do patrimônio público. Assim, não haveria que se falar em débito a ser cobrado após a privatização da Eletroacre, o que levou ao arquivamento da TCE.

A decisão é relevante na medida em que representa um processo de autocontenção do escopo de atuação do TCU em matéria de privatizações, a partir do reconhecimento de que, com a transferência do controle acionário, os recursos restituídos não seriam mais destinados aos cofres públicos, mas sim à empresa privada, descaracterizando, portanto, a finalidade de ressarcimento ao erário pretendida nos processos de TCE.

Em face do arquivamento da TCE, reconheceu-se a impossibilidade de cobrança de eventuais débitos decorrentes da execução dos contratos, e, constituídos antes de 2010, o que tornou insubsistentes as propostas de condenação em débito

No entanto, verificada a prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico em período anterior à privatização, o TCU definiu que os responsáveis se sujeitam às sanções aplicáveis. Assim, em relação às irregularidades apontadas no exame das contas, considerou-se que estas têm gravidade suficiente para macular as contas dos responsáveis do exercício de 2010, visto que afetaram a gestão da entidade jurisdicionada. Deste modo, presentes o nexo de causalidade e a conduta dos envolvidos, que configuram elementos necessários para julgar irregulares as contas dos responsáveis, estes receberam sanções.

Diante disso, a decisão, que estabelece limites para o exercício da jurisdição do TCU, em processos de privatização, se mostra relevante, no atual cenário político-econômico, em razão da grande quantidade de empresas estatais que vêm passando por processos de desestatização, ao longo dos últimos anos, e dos projetos de desestatização que se desenham para o futuro.

 

[1] Lei 6.404/1976 – “Art. 234. A certidão, passada pelo registro do comércio, da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações”.

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