Em maio deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou processo de tomada de contas especial (TCE) instaurado pela Superintendência Estadual da Fundação Nacional de Saúde (Funasa)1, que analisava supostas irregularidades nas obras de construção do sistema de abastecimento de água do município de Costa Marques, em Rondônia.
As obras foram custeadas com recursos transferidos pela Fundação e, embora tenham sido concluídas, permanecem inoperantes devido a divergências entre o município e a Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd). De acordo com as alegações da Superintendência da Funasa, não foi comprovada a regular aplicação dos recursos repassados pela União.
Devido à inoperância do sistema de abastecimento, a AudTCE, unidade de auditoria especializada em tomada de contas especial do TCU, recomendou que o TCU julgasse irregulares as contas do ex-prefeito de Costa Marques, condenando-o, solidariamente com o município, à pena de multa e ressarcimento por dano ao erário.
O relator do caso, ministro Jorge Oliveira, divergiu da unidade técnica, argumentando que a restituição dos recursos não seria a melhor solução, mas sim a garantia de celeridade na resolução das pendências para ativar e operar o sistema de abastecimento, dado que os autos comprovavam a viabilidade de funcionamento.
Segundo o ministro, o objetivo do projeto era construir um sistema de abastecimento de água para atender ao município de Costa Marques e solucionar o déficit de saneamento básico, que afeta milhões de pessoas no país. Citando um estudo do pesquisador Leandro Luiz Giatti e dados do Instituto Água e Saneamento de 2021, o relator destacou que apenas 18,85% da população de Costa Marques tem acesso aos serviços de abastecimento de água, enquanto a média nacional é de 84,2%2.
Considerando que Costa Marques está muito abaixo da média nacional, o ministro concluiu que a melhor opção seria priorizar a resolução das pendências existentes para ativar e operar o sistema de abastecimento de água, sendo esta uma solução mais efetiva e satisfatória para a coletividade do que impor débito ou aplicar multas.
Em sua fundamentação, o ministro destacou que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) oferece uma cláusula geral de consensualismo3 voltada a eliminar irregularidades ou situações contenciosas na aplicação do Direito Público. Assim, não poderia se excluir a consensualidade como ferramenta da Corte de Contas para atender ao interesse público primário e a cumprir sua missão institucional.
O voto do relator foi acompanhado pelo Plenário do TCU, que determinou que a Funasa, a Prefeitura de Costa Marques e a Caerd iniciem tratativas para resolver a inoperância do sistema de abastecimento, sob pena de prosseguimento do processo contra os responsáveis pela ineficiência do sistema.
A decisão do TCU ilustra como a abordagem consensual tem ganhado destaque no âmbito do direito público, se firmando como uma alternativa eficaz na resolução de conflitos. Ao invés de se concentrar exclusivamente na punição e na recuperação de valores, a solução consensual busca reparar e prevenir danos, garantindo que as obras e serviços essenciais sejam efetivamente entregues à sociedade.
Desse modo, ao priorizar a celeridade na resolução das pendências e a ativação do sistema de abastecimento de água, em vez da simples restituição dos recursos, o TCU demonstra uma preocupação maior com os resultados práticos e a efetiva prestação de serviços à população, contribuindo para a construção de um modelo de gestão mais ágil, eficiente e responsivo ao interesse público.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando a temática e está à disposição para mais esclarecimentos sobre o assunto.
1- O processo foi julgado pelo Acórdão no 978/2024.
2- Reflexões sobre Água de Abastecimento e Saúde Pública: um estudo de caso na Amazônia Brasileira, Saúde e Sociedade, v. 16, n° 1, p 134-144, jan.-abr. 2007.
3- Art. 26 do Decreto-Lei no 4.657/1942, alterado pela Lei no 13.655/2018.