A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou, no último dia 2 de outubro, a Solução de Consulta (SC) 276, que trata, mais uma vez, do tema dos contratos de compartilhamento de custos (cost sharing) entre sociedades do mesmo grupo econômico e o respectivo tratamento tributário aplicável.
A ementa da SC é clara:
- Incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e CIDE-Royalties sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residente ou domiciliado no exterior a título de remuneração de serviços técnicos prestados entre sociedades do mesmo grupo econômico, ainda que decorram do cumprimento de contrato genericamente denominado “compartilhamento de custos” (Cost Sharing Agreement), mas que não atenda os requisitos para sua caracterização;
- Ocorrerá a incidência das Contribuições para o PIS-Pasep Importação e a COFINS Importação quando do pagamento, crédito, entrega, emprego, remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, a título de contraprestação por serviço executado no Brasil, ou no exterior, cujo resultado aqui se verifique.
O principal ponto a ser analisado foi a diferença entre o que, aparentemente, os contribuintes estão denominando cost sharing e o conceito a ser aplicado sob a ótica do Fisco. Principalmente se levarmos em consideração a evolução das respostas do Fisco desde a SC 08/2012, onde cita que o contrato de compartilhamento de custos possui como características:
- a) a divisão dos custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção de bens, serviços ou direitos;
- b) a contribuição de cada empresa ser consistente com os benefícios individuais esperados ou recebidos efetivamente;
- c) a previsão de identificação do benefício, especificamente, a cada empresa do grupo. Caso não seja possível assumir que a empresa possa esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato;
- d) a pactuação de reembolso, assim entendido o ressarcimento de custos correspondente ao esforço ou sacrifício incorrido na realização de uma atividade, sem parcela de lucro adicional;
- e) o caráter coletivo da vantagem oferecida a todas as empresas do grupo;
- f) a remuneração das atividades, independentemente de seu uso efetivo, sendo suficiente a “colocação à disposição” das atividades em proveito das demais empresas do grupo;
- g) a previsão de condições tais que qualquer empresa, nas mesmas circunstâncias, estaria interessada em contratar.
No entendimento da Receita, as características acima são as de um contrato de compartilhamento de custos. Ao correlacionar estas características com a descrição do contrato de compartilhamento de custos mencionado na SC 276, temos que “os recursos financeiros entregues à unidade centralizadora das despesas referem-se à realização de atividades de caráter instrumental (atividades-meio). Contribuição para atingir uma finalidade comum e no valor exato da sua participação, seja antecipadamente ou via reembolso, sem margem de lucro. Estrutura que realiza atividades em benefício do grupo (benefício de mais de uma entidade, possuindo caráter duradouro, mas sem ter por objeto a prestação de serviços)”.
É importante observar que o contrato de compartilhamento de custos é um contrato atípico e não usual no direito brasileiro. Na mesma linha, é válido relembrar a Solução de Divergência Cosit 23/2013, que possui efeito vinculante e trata da dedutibilidade para fins de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) dos valores referentes ao rateio de custos e despesas entre empresas do mesmo grupo econômico, domiciliadas no Brasil, além da incidência de PIS/Pasep e Cofins. Tal texto tomou como base algumas das conclusões relativas ao compartilhamento de custos apontadas na SC Cosit 08/2012. Talvez tenha se iniciado aqui a diferença entre o que tem sido entendido como cost sharing pelos contribuintes e como ele vem sendo tratado pela Receita.
Claramente, a maioria dos contribuintes que formularam consultas sobre o tema enxergam o cost sharing como o tradicional rateio de custos e despesas do mesmo grupo, ao passo que a RFB aplica o conceito de cost sharing com base no Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations 2017 (TP Guidelines).
Para o Fisco, o conceito de benefício mútuo é fundamental para um contrato de cost sharing. Além disso, também na SC Cosit 08/2012, a Receita deixa claro que “caso uma das empresas do grupo desempenhe uma função específica sem necessariamente esperar nenhum benefício, haverá uma prestação de serviços intragrupo” (segundo a tradução livre do item 8.14 das TP Guidelines).
É justamente aqui que identificamos a maior controvérsia: contribuintes tentando, de maneira justa, aplicar a doutrina de reembolso de despesas, na qual grupos empresariais dividiam custos que beneficiavam mais de uma empresa do grupo, como as despesas com energia elétrica ou limpeza, e que com a evolução da jurisprudência passaram a dividir o custo de funcionários que atuam em benefício de mais de uma empresa do grupo. Esta evolução, nacionalmente, se fez necessária para evitar que uma empresa no lucro real, por exemplo, assumisse parcela de custo que competisse com a empresa do grupo no lucro presumido. Mas não foi testada entre empresas do mesmo grupo empresarial internacionais, apenas no Judiciário.
Por essa razão, o debate talvez agora tenha o seu foco modificado para a tentativa de convencimento da Receita de que o compartilhamento de custos e despesas, como aplicados entre empresas nacionais, também possa ser aplicado entre companhia brasileira e companhia estrangeiras.
Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, sócio (amonteiro@bocater.com.br).
Luciana I. Lira Aguiar, sócia (laguiar@bocater.com.br).
Francisco Lisboa Moreira, sócio (fmoreira@bocater.com.br)
Felipe Thé Freire, advogado (ffreire@bocater.com.br).