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Mercado e setor público seguem aguardando as debêntures de infraestrutura

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Tanto o setor público quanto privado anseiam por maior celeridade no processo legislativo relativo às debêntures de infraestrutura (Projeto de Lei nº 2.646/2020). A importância da matéria reside na necessidade de ampliação e diversificação das fontes de investimento para projetos de infraestrutura no Brasil, bem como na criação de novos atrativos para investidores de alto porte.

As debêntures[1] já são utilizadas em projetos de infraestrutura no Brasil, ganhando um papel significativo no setor público com a promulgação da Lei nº 12.431/2011, que introduziu as chamadas debêntures incentivadas. Diferentemente dos títulos tradicionais, aqueles recursos têm sua destinação vinculada ao financiamento de projetos de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) considerados prioritários pelo Poder Executivo[2].

As debêntures incentivadas tiveram relativo sucesso em seu propósito de impulsionar o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento no país[3]. Atraíram, em especial, pessoas físicas, em razão dos incentivos fiscais ofertados, como a isenção de imposto de renda sobre os rendimentos. Esses incentivos, contudo, não se mostraram atrativos para a adesão de investidores institucionais nacionais e internacionais de grande porte, como os fundos de pensão.

Então, diante desse cenário e da permanência da necessidade de se diversificar as fontes de investimento de projetos de infraestrutura, elaborou-se o PL nº 2.646/2020[4], buscando introduzir um novo instrumento de captação de recursos direcionado para o setor de infraestrutura mediante a criação de vantagens para o emissor dos títulos – o debenturista[5]. Com isso, o legislador pretendeu atrair justamente os investidores que anteriormente não tinham tantos benefícios em adquirir as incentivadas.

Uma das grandes diferenças entre as duas modalidades é o foco no destinatário dos benefícios fiscais. Enquanto as debêntures incentivadas proporcionam incentivos exclusivamente para os compradores dos títulos, as debêntures de infraestrutura também garantem vantagens para o debenturista. Este, por sua vez, pode repassar esse incentivo ao comprador por meio do pagamento de juros mais vantajosos.

Tendo em vista os objetivos elencados acima, o PL 2.646/2020 estabelece que os debenturistas receberão os incentivos quando investirem nos projetos de infraestrutura considerados prioritários[6]. Além disso, as debêntures emitidas com captação de recursos para projetos que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes receberão incentivos adicionais, incluindo um procedimento simplificado de emissão e a análise prioritária[7]. Ressalta-se, também, que o PL dispensa a necessidade de decreto para caracterização de um projeto como de infraestrutura, além de ampliar para 60 meses o prazo para utilização das receitas para pagar ou reembolsar as despesas e dívidas contraídas no projeto.

No momento, a última movimentação relevante ocorreu no dia 19 de setembro deste ano, quando o Senado aprovou o PL. Dentre as alterações promovidas ao texto original[8], destaca-se a exclusão da previsão que limitava os benefícios das debêntures emitidas a um prazo de cinco anos, a contar da promulgação da lei. Na medida em que essa limitação é incompatível com os longos períodos de retorno característicos da maioria dos projetos de infraestrutura, a emenda estabeleceu que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) irá prorrogar o prazo das debêntures anualmente, garantindo sua efetiva liquidação.

Outra emenda apresentada eliminou a disposição do texto original que previa uma tributação diferenciada sobre os rendimentos das debêntures incentivadas detidas por instituições financeiras, o que, na prática, aumentaria a taxa de Imposto de Renda de 15% para 25%. Foi considerada que essa elevação prejudicaria a continuidade e o crescimento do mercado de debêntures incentivadas, representando uma ameaça para os investimentos em infraestrutura no país.

A despeito dos potenciais benefícios que a eventual aprovação do PL 2.646/2020 trará para o setor de investimentos privados em infraestrutura no Brasil, é necessário considerar alguns dos riscos associados à emissão desses instrumentos.

Em sendo títulos de crédito, existem riscos relacionados à imprevisibilidade econômica, como a oscilação dos fatores macroeconômicos do país e a exposição à variação cambial. Além dos riscos de mercado, é preciso levar em conta os desafios inerentes ao setor de infraestrutura, tendo em vista seu caráter de longo prazo, a alta complexibilidade dos objetos e as questões regulatórias específicas desse setor.

Apesar do cuidado necessário, esses títulos também possuem atrativos consideráveis, incluindo maior previsibilidade de receitas e alta taxa de retorno garantida. Nesse sentido, é necessário almejar um equilíbrio entre a adoção de medidas que expandam as opções de investimento no mercado financeiro e a preservação do interesse público subjacente aos empreendimentos de infraestrutura.

Portanto, a introdução da nova categoria de debêntures proposta pelo PL 2.646/2020 é uma mudança aguardada com altas expectativas pelos setores público e privado que possivelmente impulsionará os investimentos, incluindo os estrangeiros, em um setor que carece de recursos, ao mesmo tempo que é central para o desenvolvimento econômico e social do país.

Neste momento, encontra-se sob análise da Câmara dos Deputados e, na hipótese de sua aprovação, seguirá para sanção ou veto do Presidente da República.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando a temática.

 

[1] Esses títulos de crédito, emitidos por empresas, são negociáveis no mercado de capitais e disponíveis para aquisição por pessoas físicas ou jurídicas. Nessa lógica, ao adquirir uma debênture, o comprador se torna um credor da companhia emissora, sendo renumerado por meio de juros e correção monetária até a quitação integral do título.
[2] Os critérios para o enquadramento de projetos como “prioritários” são estabelecidos mediante decreto regulamentar do Poder Executivo. Atualmente, o Decreto Nº 8.874/2016 é o responsável por regulamentar as condições para aprovação dos projetos.
[3] Aqui, cabe destacar que as debêntures incentivadas também são emitidas buscando investimentos para o setor de infraestrutura, sendo as chamadas “debênture incentivadas de infraestrutura”.
[4] Além da criação das debêntures de infraestrutura, o PL 2.646/2020 também altera disposições da Lei nº 12.431/2011, promovendo alterações no regime das debêntures incentivadas; do Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE); do Fundo de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I); e do Fundo Incentivado de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra).
[5] As debêntures de infraestrutura poderão ser emitidas desde a data de publicação da Lei que vier a ser originada do PL 2.646/2020 até 31 de dezembro de 2030, mediante ato de autorização do Executivo federal.
[6] Ainda segundo o PL 2.646/2020, os critérios enquadramento dos projetos em “prioritários” nas áreas de infraestrutura ou de produção em PD&I serão estabelecidos mediante decreto regulamentar e deverão incluir os setores com grande demanda de investimento em infraestrutura; ou projetos com efeito indutor no desenvolvimento econômico local ou regional. Ainda, é importante destacar que o PL 2.646/2020 estabelece que o enquadramento dos projetos é vinculado, isto é, basta que, na data de apresentação do requerimento de registro da oferta pública das debêntures de infraestrutura, estejam atendidos os critérios estabelecidos no regulamento do Poder Executivo.
[7] Esse incentivo adicional para projetos com resultados sustentáveis relevantes alinha-se à tendência mundial de atrair investimentos do mercado de capitais com foco no desenvolvimento ambiental e social sustentável. São os chamados títulos verdes (greenbonds).
[8] As emendas aprovadas se originaram da Comissão de Infraestrutura (“CI”), da Comissão de Assuntos Econômicos (“CAE”), além de uma emenda de Plenário apresentada pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO), que foi o relator na CI.

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