Boletim Bocater

Lei de Improbidade Administrativa e a necessidade de comprovar dano patrimonial

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Após a aprovação das alterações na Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.429/1992), ocasionadas pela aprovação da Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, aguarda-se a recepção, pelos órgãos de controle, de duas previsões sobre a necessidade de comprovação de dano ao patrimônio e sobre as hipóteses de ressarcimento.

A nova Lei de Improbidade Administrativa trouxe, entre as principais alterações e conforme visto em edição anterior de nossa newsletter, (i) o desaparecimento das condutas culposas; (ii) a necessidade de comprovação de dano efetivo ao erário público; e (iii) o desaparecimento da violação a princípio como tipo autônomo de improbidade.

Especificamente com relação ao tema do dano, a nova redação do artigo 10, caput da Lei de Improbidade diz que o ato ímprobo é somente aquele que “efetiva e comprovadamente” enseja perda patrimonial.

A expressão “efetiva e comprovadamente” não existia na redação anterior do dispositivo, o que abria caminho para interpretações que vislumbravam a possibilidade de o ato de improbidade se constituir a partir de danos meramente possíveis ou hipotéticos. Com a nova redação, esse tipo de interpretação parece não ter mais base legal.

Além disso, em consonância com os dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que tratam especificamente da aplicação das normas de direito público, os dois novos parágrafos do artigo 10 da Lei de Improbidade promovem a discricionariedade técnica do gestor público, não penalizando a inovação ou a busca do resultado mais eficiente.

O parágrafo 2º é claro nesse sentido, estipulando hipótese em que, mesmo diante de perda patrimonial, esta não deverá ser ressarcida pelo respectivo agente público. É o caso do dano que decorre da “atividade econômica”. Significa dizer que a atividade econômica que não dê os frutos esperados ou, mais do que isso, que dê prejuízo não deverá ser tida como dano ao erário a ensejar a responsabilização por ato de improbidade administrativa.

O parágrafo 2º positiva a chamada regra da decisão empresarial originária do direito norte-americano — a “business judgment rule”. Essa doutrina assevera que os gestores e administradores não podem ser responsabilizados em virtude de eventuais prejuízos e perdas que venham a ser experimentadas pela empresa no desenrolar de sua atuação empresarial ordinária. É o reconhecimento de que a atividade de mercado é instável, imprevisível e marcada por vicissitudes, de modo que, por exemplo, o diretor de uma companhia não pode ser punido no caso do fracasso de um empreendimento.

A mesma lógica aplica-se aos empreendimentos públicos. Os gestores e agentes públicos que formulam e tomam decisões de investimentos, especialmente no âmbito dos programas de fomento, não podem ser responsabilizados em virtude de eventuais insucessos. As perdas aí experimentadas são decorrentes, como diz o parágrafo 2º, da “atividade econômica”, não se caracterizado, portanto, como atos de improbidade.

O parágrafo 1º complementa o esforço de prestigiar a busca eficiente e pragmática por resultados, determinando que o simples descumprimento de formalidade legal não gera a obrigação de ressarcimento. Para que isso ocorra, ou seja, para que surja o dever de ressarcir, é indispensável que a irregularidade tenha, de fato, dado causa a efetiva perda patrimonial. Não se pode esquecer que esse dispositivo deve ser conjugado com a necessidade da prática do ato na sua modalidade dolosa.

Deve-se aguardar, com relação a ambos os dispositivos, a recepção pelos órgãos de controle, notadamente pelo Tribunal de Contas de União. A Lei nº 14.230 veicula uma concepção de dano — o dano efetivo e comprovadamente causado —, assim como uma clara valorização da discricionariedade técnica do agente público que atua em busca de resultados eficientes, que podem impactar as decisões da Corte de Contas nos processos de tomada de contas.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema, trazendo novos destaques sobre as principais alterações realizadas na Lei de Improbidade, bem como eventuais mudanças relevantes na jurisprudência da matéria. Permanecemos disponíveis para esclarecimentos.

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