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CVM divulga ofício circular sobre envio de informações periódicas pelas companhias

A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou, no último dia 7 de março, o Ofício Circular-Anual-CVM/SEP-2024, com orientações sobre envio de informações periódicas e eventuais, além de outros temas relevantes para as companhias reguladas pela autarquia.
Esse Ofício tem como objetivo esclarecer importantes aspectos da rotina das companhias abertas.
As principais orientações abordadas foram:

I – Novas determinações para emissores de certificados de depósito de valores mobiliários (BDR)
O Ofício trouxe mudanças que refletem atos normativos editados pelo regulador em 2023, como a Resolução CVM n° 182/23 (que revogou a Instrução CVM nº 332/2000) e a Resolução CVM n° 183/2023i (que promoveu alterações complementares na Resolução CVM n° 80/2022 e na Resolução CVM n° 160/2022), especialmente relacionadas aos emissores de certificados de depósito emitidos no Brasil com lastro em ações, certificados de depósito de ações ou em valores mobiliários representativos de dívida, emitidos no exterior, denominados de Brazilian Depositary Receipts (BDR).

II – Relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB)
Com o mesmo objetivo, o Ofício trouxe mudanças que refletem disposições da Resolução CVM nº 193/2023, cabendo destacar que as companhias abertas, em caráter voluntário, podem optar pela elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo ISSB, a partir dos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2024. A partir do exercício social iniciado em, ou após, 1º de janeiro de 2026, a elaboração e divulgação do relatório se tornará obrigatória para as companhias abertas.

III – Abuso de direito de voto e conflito de interesses: possibilidade de voto de administrador em ação de responsabilidade contra si
Em relação à possibilidade de voto de administrador sobre a propositura de ação de responsabilidade contra si (art. 159 da Lei nº 6.404/76), o Ofício reflete precedente mais recente do Colegiado, que manifestou, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador (PAS) CVM nº 19957.008172/2021-93, julgado em 05 de setembro de 2023, o entendimento de que: “(i) as hipóteses de conflito de interesses do artigo 115, parágrafo 1°, da Lei nº 6.404/76 devem ser interpretadas de acordo com a tese material/substancial, em linha com a doutrina predominante e com os mais recentes posicionamentos firmados pelo Colegiado da CVM; (ii) especificamente sobre as deliberações das ações de responsabilidade previstas no artigo 159, existem razões sistemáticas adicionais na Lei nº 6.404/76 que corroboram a adequação da tese material e autorizam o entendimento de que o acionista/administrador pode votar em tais deliberações; e (iii) o acionista/administrador que decida votar em deliberações relativas à propositura da ação de responsabilidade do artigo 159 da Lei nº 6.404/76 deve se desincumbir do ônus de provar que o voto proferido, observadas as peculiaridades do caso concreto, ocorreu no melhor interesse da companhia”.

A partir desse precedente, a SEP ressalta no Ofício que, “apesar de o voto do acionista/administrador poder ser exercido nas deliberações relativas à ação de responsabilidade prevista no artigo 159 da Lei nº 6.404/76, em absoluta coerência com a tese do conflito material, caberá ao acionista/administrador demonstrar, no mérito, de forma consistente, que não há interesses conflitantes com os da companhia. É preciso que seja evidenciado que o exercício do direito de voto por parte do acionista/administrador encontra-se alinhado ao ‘interesse da companhia’, como determina o caput do artigo 115. Esse objetivo pode ser atingido, por exemplo, por meio de estudos técnicos, pareceres, opiniões de especialistas e consultas a órgãos próprios independentes destinados a avaliar o assunto”.

IV – Ação de responsabilidade contra o controlador – interpretação do art. 246, da Lei das S.A.s
O Ofício frisou ainda o entendimento do Colegiado da CVM, manifestado em reunião de 28 de fevereiro de 20231, ao analisar consulta acerca da interpretação do art. 246 da Lei das S.A.s (Lei n° 6.404/76)2, que trata da responsabilidade do controlador de reparar danos causados à sociedade controlada por violação aos seus deveres legais, como previsto no parágrafo único do art. 1163, e por atos praticados com abuso de poder, elencados de forma exemplificativa no art. 1174 da lei societária.
No exame dessa consulta, o Colegiado entendeu: (i) “nos termos dos votos apresentados, que não é necessária deliberação prévia da assembleia geral para que os acionistas referidos no parágrafo 1º do artigo 246 da Lei nº 6.404/76 ingressem com a ação judicial em questão, em nome da companhia, contra o controlador” e (ii) “sem perpassar por uma análise processual cível e arbitral da questão, (…) a eventual propositura pela companhia de ação de responsabilidade em face do acionista controlador, após a propositura de ação de responsabilidade movida pelos acionistas minoritários, não acarreta a automática extinção da ação de responsabilidade movida e conduzida pelos minoritários”.

V – Requisitos para a suspensão dos direitos de acionista
A Lei das Sociedades Anônimas permite à assembleia geral suspender o exercício dos direitos do acionista que não cumprir obrigação determinada pela Lei ou pelo estatuto5. O Ofício destaca o entendimento do Colegiado da CVM, o qual, em reunião de 25 de abril de 20236, acompanhou o posicionamento da SEP no sentido de que a suspensão de direitos de acionista pela assembleia geral delimita-se às hipóteses de cumprimento de três requisitos: (i) contemporaneidade do descumprimento de uma obrigação, isto é, ocorrência, em andamento, de descumprimento de obrigação imposta pela Lei ou estatuto; (ii) possibilidade de ocorrer a reversão da suspensão, ou seja, a suspensão do exercício de direitos do acionista deve cessar tão logo cumprida a obrigação; e (iii) não ser o direito suprimido considerado essencial, nos termos do art. 1097 [da Lei das S.A.s].

VI – Adoção voluntária de política de divulgação como uma boa prática de governança corporativa para todas as companhias abertas
Por meio do Ofício, a SEP recomenda e incentiva, como uma boa prática de governança corporativa, que todas as companhias abertas adotem política de divulgação de ato ou fato relevante e a divulguem ao mercado. Atualmente, conforme disposto no art. 17 da Resolução CVM n° 44/21, apenas os emissores registrados na categoria A que tenham sido autorizados por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores e tenham ações em circulação são obrigados a adotar política de divulgação.

VII – Painel de companhias com aspectos ASG
A Resolução CVM nº 59, de 22 de dezembro de 2021, que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2023, teve como uma das suas finalidades melhorar o regime informacional das companhias abertas, garantindo maior visibilidade às práticas relacionadas com aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG). No Ofício, a SEP ressalta que, no exame dos dados ASG apresentados pelas companhias nos seus formulários de referência, observou um número significável de preenchimentos incorretos e/ou incompletos. Desse modo, a área técnica da CVM optou, nesse primeiro momento, por não questionar todas as companhias acerca dos dados inseridos de forma inadequada e decidiu fazer uma revisão do formulário de referência (FRE) online, implementando travas e avisos, que irão alertar os emissores sobre o preenchimento inadequado.

A SEP informa que as alterações no sistema entrarão em produção até a data limite para a apresentação do FRE 2024, para que o preenchimento incorreto do formulário de referência seja reduzido e, dessa forma, possa ser feita uma coleta adequada das informações prestadas pelos regulados, para fins de comparação dos dados ASG e de supervisão do cumprimento efetivo das disposições da Resolução.

Pela análise do Ofício Circular Anual de 2024, percebe-se o progressivo protagonismo dos aspectos ASG, com foco nas boas práticas de governança corporativa e nos aspectos de sustentabilidade das companhias. Logo, espera-se que as companhias se adaptem e aprimorem seus procedimentos a fim de que o mercado brasileiro acompanhe essa relevante tendência global.

O inteiro teor do Ofício Circular encontra-se no site da CVM.

 


1- Processo CVM nº 19957.007423/2021-12, julgado em 28 de fevereiro de 2023, disponível em , acesso em 22.03.2024.

2- “Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.
§ 1º A ação para haver reparação cabe:
a) a acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;
b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente. (…)”

3- “Art. 166 (…)
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

4- “Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (…)”

5- Art. 120, Lei 6.404/76: “Art. 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.”

6- Processo CVM nº 19957.007423/2021-12, julgado em 25 de abril de 2023, disponível em , acesso em 22.03.2024.

7- “Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de:
I – participar dos lucros sociais;
II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;
III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais;
IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;
V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei. (…)”

Autores

Jaques Marcio Wurman, sócio (jwurman@bocater.com.br)

Maurício Gobbi dos Santos, associado (msantos@bocater.com.br)

Isadora Andrade Rabêlo Berni, estagiária (iberni@bocater.com.br)

Área de atuação

Mercado de capitais

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