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A “Nova Indústria Brasil”: compras sustentáveis e a neoindustrialização

No início de 2024, o Governo Federal apresentou as diretrizes da Nova Indústria Brasil (NIB), uma iniciativa para modernizar o setor industrial do país, pensada ao longo do segundo semestre de 2023 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Com a ambiciosa meta de investir R$ 300 bilhões em subsídios, a NIB concentra esforços na promoção da inovação e desenvolvimento sustentável nacional, intencionando um significativo avanço do Brasil em direção à neoindustrialização.

A neoindustrialização, conceito central do plano do Governo Federal, pode ser traduzida como sendo uma nova abordagem de reindustrialização a partir das necessidades do mundo atual, com foco na reconfiguração da produção e exportação do Brasil em meio à globalização, caracterizada pela crescente interação cultural, econômica e política. Sob essa perspectiva, a neoindustrialização busca promover o desenvolvimento sustentável do país, atuando como uma resposta aos desafios enfrentados pela economia brasileira nas últimas décadas.

Um dos principais objetivos da Nova Indústria Brasil é enfrentar a desindustrialização prematura experimentada pelo país. Isso porque, ao longo das últimas três décadas, tem-se testemunhado um declínio significativo em sua base industrial, caracterizado por uma redução média anual na produtividade de 0,4%. Este declínio persistente resultou na supressão de milhões de postos de trabalho e culminou na diminuição da participação do setor manufatureiro no Produto Interno Bruto (PIB).

Diante desse cenário, o novo programa governamental estabeleceu objetivos específicos para cada uma das seis missões1 que orientam suas iniciativas até 20332. Identificando áreas prioritárias para investimentos, tais como infraestrutura, transformação digital da indústria para ampliar a produtividade e cadeias agroindustriais sustentáveis, esses objetivos são acompanhados por um conjunto de ações propostas que demandam a colaboração de todos os ministérios, membros do CNDI e do setor produtivo nacional. A NIB se configura, dessa forma, como uma estratégia sistêmica e de longo prazo, interligando com outras políticas, a fim de fortalecer a indústria brasileira, visando o desenvolvimento sustentável do país.

Para alcançar esses objetivos, planeja-se aproveitar o potencial das compras públicas como meio de estimular o desenvolvimento de setores estratégicos para a indústria nacional. Nesse contexto, destacam-se dois decretos editados pelo Presidente da República destinados à sua operacionalização. Um deles define os setores prioritários para adquirir produtos de origem nacional em licitações no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)3. O segundo, estabelece diretrizes para a incorporação de margem de preferência em compras públicas direcionadas à sustentabilidade, as chamadas “licitações sustentáveis” ou “compras públicas sustentáveis”4.

A priorização das compras públicas sustentáveis, no contexto da neoindustrialização, não representa a primeira incursão do Brasil na integração da sustentabilidade às aquisições estatais. Aprovada em 2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/21) fortaleceu esse enfoque ao destacar a imperatividade das contratações sustentáveis, priorizando a melhor compra ou contratação em vez de o menor custo, incorporando, por exemplo, condições relacionadas à sustentabilidade, inclusão de pessoas marginalizadas e aquisição de produtos nacionais5.

Considerando que as compras governamentais representam uma fatia significativa da economia, há um potencial de impulsionamento das práticas sustentáveis em grande escala, como um fomentador da neoindustrialização. Ao incorporar critérios sustentáveis nessas compras, visando minimizar o impacto ambiental, promover a eficiência energética, incentivar a produção e o consumo responsáveis e fomentar a inclusão social, é possível estimular a inovação, fortalecer a cadeia produtiva sustentável e, ao mesmo tempo, contribuir para a preservação do meio ambiente.

Desse modo, em um cenário de neoindustrialização ansiado pelo Governo, as compras públicas podem e devem ser utilizadas como instrumento para promoção do desenvolvimento econômico, industrial, tecnológico, social, ambiental, dente outros, o que já foi experimentado pelo setor petrolífero6. Elas devem ser encaradas como um importante vetor que alimenta o processo de neoindustrialização no país, sendo estratégia fundamental no contexto da Nova Indústria Brasil.

No entanto, ainda que o Brasil tenha alinhado as compras públicas aos objetivos políticos da neoindustrialização, o governo enfrentará um desafio considerável na busca pela transformação econômica desejada. Por mais que o Novo PAC e o decreto das “licitações sustentáveis” representem passos importantes nesse contexto, podem se mostrar insuficientes para fomentar significativamente as compras sustentáveis e contribuir plenamente para o processo de reindustrialização do país. Isso porque embora as agendas climáticas e de inclusão sejam priorizadas pelo Governo, elas muitas vezes permanecem à margem das estratégias de crescimento, ao invés de serem integradas ao cerne das discussões como impulsionadoras do desenvolvimento.

A iniciativa promete atingir objetivos ambiciosos de sustentabilidade e reindustrialização. Se operacionalizada da forma pretendida e integrada com as agendas climáticas e de inclusão, como componentes essenciais, têm o potencial de impulsionar a inovação e fortalecer a cadeia produtiva sustentável ao promover o desenvolvimento sustentável no processo de reindustrialização desejado.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando as repercussões novo programa de desenvolvimento nacional, bem como o tema das compras públicas no âmbito da neoindustrialização, permanecendo à disposição para esclarecimentos adicionais.

 


1- A Nova Indústria Brasil é orientada por metas aspiracionais vinculadas a cada uma das missões específicas: (i) Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; (ii) Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde; (iii) Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; (iv) Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; (v) Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras; e (vi) Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais.

2- Os princípios da Nova Indústria Brasil são definidos pela Resolução nº 1 de 2023 do CNDI.

3- O Decreto nº 11.855, de 2023, delineia as áreas que podem ser sujeitas à exigência de aquisição ou que terão margem de preferência para produtos nacionais nas licitações do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso abrange cadeias produtivas relacionadas à transição energética, economia de baixo carbono e mobilidade urbana. A definição dos produtos manufaturados e serviços sujeitos a este decreto ainda está pendente e será realizada pela Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do PAC.

4- O Decreto nº 11.890, de 2024, institui a Comissão Interministerial de Compras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (“CICS”) e estabelece critérios para a aplicação de margens de preferência para produtos manufaturados, serviços nacionais e bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis.

5- Ver arts. 5°, 11, IV e 75, XVIII, da Lei n° 14.133/21.

6- No contexto desse setor, observa-se que a utilização das compras públicas como ferramenta para impulsionar o desenvolvimento não é uma prática recente por parte do governo brasileiro, conforme evidenciado por Yuri Kasahara: “[…] Already by 2003, the government had established minimum mandatory percentages of LCR in oil companies’ bids, varying from 30 percent in deep-sea waters to 70 percent on land blocks. It also eliminated benefits given to companies buying specific services or products from domestic suppliers, such as engineering projects. In 2005, LCR acquired its current shape, defining an extensive list of items in exploration and development phases that required bids of local content within a pre-defined percentage range.” (Kasahara, Yuri; Botelho, Antonio José Junqueira. Ideas and leadership in the crafting of alternative industrial policies: Local content requirements for the Brazilian oil and gas sector. Comparative Politics, v. 51, n. 3, p. 385-405, 2019).

 

Autores

Thiago Araújo, sócio (taraujo@bocater.com.br)

Ana Luiza Moerbeck, associada (amoerbeck@bocater.com.br)

Manuela Klautau, estagiária (mklautau@bocater.com.br)

Área de atuação

Direito Público

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