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STF: deve haver isonomia entre homens e mulheres para concessão de benefícios na previdência privada

O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, negou provimento ao recurso extraordinário RE 639.138 e, em julgamento finalizado em 18 de agosto, fixou a seguinte tese: “é inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia (art. 5º, I, da Constituição da República), cláusula de contrato de previdência complementar que, ao prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor tempo de contribuição”.

A sessão virtual foi realizada entre os dias 7 e 17 de agosto deste ano, resultando na tese fixada nos termos do voto divergente do Ministro Edson Fachin, vencidos o Ministro Relator Gilmar Mendes e o Ministro Marco Aurélio. O Ministro Celso de Mello não participou da sessão de julgamento.

O Relatório reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada em 29 de maio de 2013, para analisar o seguinte tema: “à luz do princípio da isonomia, se o fator de discrímen adotado nos dispositivos constitucionais que tratam dos regimes geral e próprio de previdência gênero da pessoa projeta-se na ordem jurídica com força para vincular os contratos de previdência privada”.

O caso concreto analisa a concessão de aposentadoria de participante do gênero feminino da Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF), que pleiteou a aplicação de isonomia em benefício de aposentadoria antecipada com os participantes do gênero masculino. O Regulamento Básico do Plano de Benefícios (REG) previa a possibilidade de aposentadoria proporcional: (i) para mulheres com 25 anos de contribuição e 70% de reposição; e (ii) para os homens com 30 anos de contribuição e 80% de reposição. Deve-se ressaltar que todos os participantes desse plano firmaram documento específico, denominado Instrumento Particular de Alteração Contratual (IPAC), aderindo integralmente às novas regras de aposentadoria apresentadas pela Entidade, dentre as quais esses percentuais diferenciados.

O voto vencido do Ministro Relator Gilmar Mendes destacou os principais aspectos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e do Regime de Previdência Complementar (RPC), esclarecendo que: “a localização das disposições acerca da previdência complementar dentro do Título destinado à Ordem Social, apesar de demonstrar seu caráter social, não teve o condão de alterar-lhe a essência privada, contratual e facultativa”.

O voto vencido também acrescentou que, “tratando-se o benefício de reserva constituída pelo participante e por seu patrocinador ou instituidor, nos limites estabelecidos no art. 202, § 3º, da Constituição, não pode a entidade privada de previdência complementar ser obrigada a pagar parcela de benefício para a qual não tenha havido custeio, sob pena de abalar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema”.

Entendemos que voto vencido observou os princípios constitucionais basilares do RPC, destacando sua autonomia com relação ao RGPS e se referindo ao custeio capitalizado de planos complementares. Relembre-se que o central Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial deriva da precisa expressão: “reservas que garantam o benefício contratado”, contida no art. 202, caput, da Constituição Federal. O Voto do Ministro Gilmar Mendes decidia pelo provimento do recurso extraordinário da Entidade, com reforma integral da condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Contudo, apesar dos relevantes esclarecimentos prestados pelo Ministro Relator Gilmar Mendes, restou vencedor o voto de divergência proferido pelo Ministro Edson Fachin. O voto vencedor destacou as alterações constitucionais, que culminaram no atual sistema de concessão de aposentadoria proporcional para homens e mulheres no RGPS e RPPS, após o advento da EC 20/1998, concluindo que: “os requisitos para aposentação de homens e mulheres no Brasil são distintos”, sob a égide do art. 201 e art. 40 da Constituição Federal.

Em conclusão, o voto do Ministro Fachin entendeu que: “as regras distintas para aposentação das mulheres [no RGPS e RPPS] foram as pelo constituinte com evidente propósito de proclamar igualdade material – não se limitando à igualdade meramente formal”. Desse modo, “a isonomia formal, assegurada pelo art. 5º, I, CRFB, exige tratamento equitativo entre homens e mulheres. Não impede, todavia, que sejam enunciadas regras mais benéficas às mulheres diante da necessidade de medidas de incentivo e de compensação não aplicáveis ao gênero masculino”.

Aplicando a Teoria do Impacto Desproporcional, o Ministro Edson Fachin entendeu que: “reconhecer situações favoráveis à mulher das quais não se beneficia o homem não significa violar o princípio da isonomia, aqui enfocado sob o prisma material (…) desta forma, presentes os pressupostos necessários para que a relação da FUNCEF, ora recorrente, com seus segurados, dentre os quais se inclui a autora, ora recorrida, submetam-se à eficácia irradiante dos direitos fundamentais, especificamente o da igualdade de gênero”.

O voto vencedor ainda foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes, que prestou análise detalhada sobre os procedimentos de alteração regulamentar e negociação contratual havido entre as partes, concluindo que: “os direitos fundamentais previstos na regras Constitucionais limitam a autonomia privada, pelo que não se pode dar guarida a pacto consensual que fira princípios constitucionais elevados à categoria de direitos fundamentais, como vem a ser o da igualdade de gênero”.

Trata-se de importante decisão, cuja posição vencedora, a nosso ver, não enfrentou, de fato, o custeio do benefício majorado pela decisão da maioria do STF. Sabendo-se que cada plano de benefícios complementares possui custeio prévio e capitalizado, restou sem resposta a indagação: considerando o previamente contratado, será justo e jurídico que todo o grupo de participantes pague por essa majoração?

A discussão havida no STF revela que temas relacionados com a previdência complementar fechada não são de fácil tratamento e ainda precisam ser enfrentados de forma pragmática sob o ponto de vista de seu custeio. No caso concreto, em nossa visão, não há um tratamento discriminatório em detrimento da mulher, pois trata-se de benefício especial (aposentadoria antecipada) com menor tempo de contribuição das mulheres para uma projeção de recebimento por tempo mais longo que os homens. O benefício contratado derivou cálculo geral de custeio, que é compartilhado com todos (pois, trata-se de um plano na modalidade de benefício definido).

É importante observar, também, que diversas premissas de caso concreto foram apresentadas para fundamentação da decisão proferida em sede de repercussão geral ( alterações regulamentares, contratos mantidos entre as partes, metodologia de cálculo para concessão dos benefícios previstos no contrato previdenciário e outros).

Entendemos que a tese fixada demanda cautelosa análise para a sua aplicação na resolução das demandas e recursos repetitivos, uma vez que não foi determinada a modulação de efeitos quando da declaração de inconstitucionalidade da cláusula de contrato de previdência complementar. Há, ainda, a necessidade de delimitação da tese para esclarecimento acerca de sua aplicação para outros planos de benefícios definidos ou planos de contribuição variável.

Os operadores de direito previdenciário privado e integrantes do sistema devem permanecer atentos aos desdobramentos do recurso extraordinário RE 639.138, uma vez que não ocorreu trânsito em julgado formal, sendo certo que o mesmo pode ser objeto de maiores discussões sobre os pontos ali tratados em sede de Embargos de Declaração.

Flavio Martins Rodrigues, sócio sênior (frodrigues@bocater.com.br)
Pedro Diniz da Silva Oliveira, advogado (poliveira@bocater.com.br)

Autores

Flavio Martins Rodrigues e Pedro Diniz da Silva Oliveira

Área de atuação

Previdência Complementar e Investidores Institucionais

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