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A contratação emergencial no cenário de crise da Covid-19

OOs entes federativos vêm adotando diversas medidas com a finalidade de mitigar as dificuldades decorrentes do estado de calamidade pública e de emergência da saúde ocasionados pela pandemia da Covid-19. Desde fevereiro, só no âmbito federal já foram editados mais de 270 atos normativos em resposta à situação emergencial que se instaurou no país (em nosso último comunicado, abordamos as principais normas editadas no campo do Direito Administrativo).

Foi nesse contexto que a Administração Pública Federal editou a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro, que estabelece providências para enfrentamento do surto do novo coronavírus. Complementando o texto da Lei, o Executivo editou, ainda, a Medida Provisória nº 926, de 20 de março, e a Medida Provisória nº 951, de 15 de abril, que ampliaram o espaço de discricionariedade do governo nos processos de compras públicas, diante da tamanha urgência nas contratações para a solução da situação emergencial pela qual passa nosso país.

A Lei nº 13.979 busca promover mudanças nos processos de contratações durante o período de combate à pandemia. Assim, a Lei instituiu nova modalidade de contratação emergencial para a aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública, com procedimentos e obrigações particulares e mais flexíveis, de modo a garantir contratações eficientes e ágeis pelos entes da federação.

Isso porque, embora o regime de licitações previsto na Lei nº 8.666/1993 já disponha, em seu art. 24, inciso IV, sobre as contratações diretas nos casos de emergência ou de calamidade pública, o diploma ainda é essencialmente dotado de formalidades e burocracias que, além de resultarem em redução da competitividade e ampliação dos custos transacionais dos procedimentos, dificultam a celeridade e eficiência necessárias nas contratações para a contenção dos impactos de uma crise.

O principal embate se dá com o conceito de “emergência” para a aplicação da dispensa de licitação. Sendo um conceito jurídico indeterminado, a Lei nº 8.666 define que a caracterização da situação emergencial seja valorada pelo gestor público. Por outro lado, a Lei nº 13.379, de modo a simplificar o procedimento, dispõe que será presumido o atendimento às condições de emergência de saúde pública, existência de risco, necessidade de pronto atendimento e limitação da contratação da parcela necessária ao atendimento da emergência.

No mesmo sentido, enquanto a Lei nº 8.666 possui preocupações formais com a obrigação de comunicação do ato de dispensa do procedimento licitatório à autoridade superior para ratificação e publicação na imprensa oficial, com a instrução de elementos que caracterizem a situação emergencial, a Lei nº 13.979 não exige tal formalização como condição de eficácia do contrato. Preferindo outro meio de concretizar o Princípio da Publicidade, a nova Lei determina apenas que as contratações ou aquisições realizadas sejam disponibilizadas em site oficial, nos termos do §2º do art. 4º do texto legal.

Na busca de contratações eficientes e que melhor atendam à população no delicado cenário de risco, o § 3º do art. 4 da Lei 13.979 autoriza, excepcionalmente, a contratação de fornecedor declarado inidôneo ou com direito suspenso de participar de licitação ou contratar com o Poder Público, quando restar comprovado se tratar de único fornecedor do bem ou serviço a ser adquirido.

Para a aquisição, sem maiores entraves, desses bens ou serviços necessários ao enfrentamento da emergência, fica dispensado o dever de elaboração de estudos preliminares para contratação de bens e serviços comuns, sendo obrigatório o Gerenciamento de Riscos da contratação somente durante a gestão do contrato. Além disso, é admitida a apresentação de termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado, obedecidos os requisitos mínimos estabelecidos no § 1º do art. 4-E.

Com o propósito de não restringir as opções da Administração Pública, o art. 4-F da Lei possibilita o afastamento da exigência de apresentação da documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, do cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição[1]. O afastamento dessas exigências de habilitação é medida excepcional que exige aprovação justificada da autoridade competente.

As modificações formuladas pela MP 951/2020 no texto legal autorizaram, ainda, o uso do Sistema de Registro de Preços na contratação de produtos para contenção da pandemia, quando se tratar de aquisição por mais de um órgão ou entidade. A medida, que antes era realizada apenas nas modalidades de concorrência ou pregão, agora pode ser aplicada na hipótese de dispensa de licitação, permitindo que outros órgãos manifestem interesse à entidade gerenciadora do processo em participar das licitações realizadas por meio desse sistema.

Além da criação de nova modalidade de contratação emergencial por dispensa, a Lei nº 13.979 também trouxe previsão de procedimento mais célere em caso de licitação. Trata-se do chamado “Pregão Express”, que permite a redução pela metade dos prazos do pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao combate da situação emergencial, nos termos do art. 4-G da Lei.

Embora a escolha do método de contratação a ser utilizado – dispensa ou Pregão Express – fique à discricionariedade do gestor, há de ser considerado que a redução de prazo do pregão poderá trazer ainda mais agilidade nas contratações realizadas, maior segurança jurídica aos envolvidos no procedimento e maior competitividade entre os fornecedores, proporcionando mais economia à Administração Pública.

As providências adotadas pelo Poder Público com a edição da Lei nº 13.979, alterada pela MP 926/2020 e MP 951/2020, são temporárias e aplicam-se apenas enquanto durar a emergência de saúde pública decorrente da crise da Covid-19. Desse modo, os contratos regidos por esse  diploma legal terão prazo de duração de até seis meses, podendo ser prorrogados por períodos sucessivos – o que é vedado nos contratos regidos pela Lei nº 8.666 –, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da crise.

A equipe de Direito Público abordará com mais detalhes, nos próximos dias, as demais inovações e alterações da legislação relacionadas ao coronavírus e permanece à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais.

Equipe Bocater (contato@bocater.com.br)

[1] Dispõe o art. 7º, XXXIII da Constituição Federal o seguinte:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

Área de atuação

Administrativo

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