No dia 13 de outubro, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou a respeito da inconstitucionalidade dos §§ 1º e 3º do art. 171 da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021). Os dispositivos tratam do prazo para o pronunciamento definitivo dos órgãos de controle em caso de suspensão cautelar de procedimentos licitatórios, bem como dos elementos que devem constar da respectiva decisão sobre o tema. O ministro Raimundo Carreiro se valeu, a esse respeito, de estudo da Consultoria Jurídica do TCU, cujas conclusões se encontram no Acórdão nº 2463/2021.
Os dispositivos analisados estabelecem:
“Art. 171. Na fiscalização de controle será observado o seguinte:
(…)
§ 1º Ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o tribunal de contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o mérito da irregularidade que tenha dado causa à suspensão no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis, contado da data do recebimento das informações a que se refere o § 2º deste artigo, prorrogável por igual período uma única vez, e definirá objetivamente:
I – as causas da ordem de suspensão;
II – o modo como será garantido o atendimento do interesse público obstado pela suspensão da licitação, no caso de objetos essenciais ou de contratação por emergência.
(…)
§ 3º A decisão que examinar o mérito da medida cautelar a que se refere o § 1º deste artigo deverá definir as medidas necessárias e adequadas, em face das alternativas possíveis, para o saneamento do processo licitatório, ou determinar a sua anulação.”
O TCU alega, sobre o §1º, que essa alteração invade indevidamente a competência de autogoverno dos tribunais de contas alterando, na prática, as leis orgânicas de todos esses órgãos.
Haveria, portanto, inconstitucionalidade formal subjetiva e orgânica (violação aos artigos 18, 25, caput e § 1º, c/c art. 73, 75 e 96 da Constituição Federal) por usurpação de competência privativa de tribunais de contas para iniciar o processo legislativo que vise a alterar sua organização e funcionamento, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 4.643, de relatoria do ministro Luiz Fux. Nesse sentido, o TCU considera que os dispositivos questionados não tratam de matéria de licitações e contratos administrativos, mas de prazo para exercício de controle externo, o que ultrapassa o campo de competência legislativa da União.
Além disso, sustenta-se que seria impossível aplicar um prazo de 25 dias úteis, ainda que passível de prorrogação, para apreciar o mérito em processos que avaliam questões complexas em procedimentos licitatórios, principalmente se considerado o amplo número de casos julgados por tribunais de contas em todo o país.
Haveria também, no entendimento do TCU, inconstitucionalidade material, na medida em que ficaria prejudicado o exercício das atribuições constitucionais dos tribunais de contas. Assim seria porque o prazo de 25 dias geraria análises superficiais do mérito de irregularidades em procedimentos licitatórios, bem como ocasionaria um potencial preterimento de outras pautas relevantes que tramitam nos órgãos de controle, diminuindo a qualidade do controle externo.
Além disso, o TCU entendeu que o inciso II do §1º, assim como o §3º atribuem aos tribunais de contas deveres que extrapolam suas competências de controle externo. Isso ocorre porque não cabe aos tribunais de contas, no entender do TCU, a definição do modo de atendimento do interesse público, uma vez que esse juízo pressupõe avaliação de conveniência e oportunidade exclusivos do gestor público. Nesse sentido, além da inconstitucionalidade formal pela interferência indevida na organização e funcionamento dos tribunais de contas, também se vislumbra inconstitucionalidade material ao atribuir a esses tribunais a função típica de gestor público, violando os arts. 2º e 71 da Constituição.
A alternativa à inconstitucionalidade pura e simples, para o TCU, é a interpretação conforme a Constituição, a fim de se reconhecer o prazo imposto na Lei como impróprio, retirando de seu eventual descumprimento os efeitos jurídicos, como a cessação dos efeitos da suspensão cautelar do certame licitatório.
Munido dos argumentos mobilizados pela sua consultoria jurídica, o TCU decidiu por representar junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), com objetivo de ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). No requerimento, constam a suspensão cautelar dos dispositivos aludidos ao longo deste texto durante o curso do julgamento da ADI no STF e, ao fim, a declaração de suas respectivas inconstitucionalidades.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema, bem como eventuais mudanças relevantes na jurisprudência sobre aplicação da Nova de Licitações, permanecendo disponível para esclarecimentos.