Entrou em vigor, em 03 de maio de 2021, a Resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) nº 40, de 30 de março de 2021, que revogou a Resolução do Conselho de Gestão da Previdência Complementar CGPC nº 08, de 19 de fevereiro de 2004.
Ao longo dos anos, a Resolução do CGPC já havia sofrido algumas alterações, contudo, a nova Resolução do CNPC traz agora modificações importantes para o Regime Fechado de Previdência Complementar.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, trazemos um Quadro Comparativo e apontamos as alterações que entendemos mais relevantes pela nova regulação abaixo.
(I) Alteração de indexador do plano para ativos elegíveis e assistidos
O art. 4º, §2º da Resolução CNPC 40/2021 trouxe expressa a possibilidade de alteração do indexador dos benefícios previstos no regulamento do plano de benefícios, aplicando-se essa alteração aos participantes não elegíveis e elegíveis e aos assistidos (nestes dois últimos grupos, está a principal novidade).
O art. 17 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, dispõe que:
Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.
Esse dispositivo acolhe como direito adquirido as regras regulamentares no momento da implementação das condições para a jubilação.
A possibilidade (ou não) de alteração do indexador dos benefícios no regulamento de planos na modalidade de benefício definido ou contribuição variável (para estes, com relação aos benefícios vitalícios pagos sem vinculação ao saldo de conta) não era um tema pacífico, inclusive no âmbito da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), havendo, ao longo dos últimos anos, pronunciamentos com entendimentos divergentes.
O argumento jurídico central da manifestação mais recente da Procuradoria Federal junto à PREVIC foi no sentido de que, mediante uma análise sistemática dos dispositivos da LC 109/2001, deve-se entender que, para o exercício do direito adquirido, é necessária a aferição da relação existente entre o conteúdo das disposições regulamentares e a essencialidade dessas para a concessão e gozo do benefício. Essa essencialidade estaria assentada em dois pilares: (i) nos requisitos de elegibilidade e (ii) na forma de fixação dos benefícios. Por conseguinte, a atualização monetária possuiria natureza extrínseca ao benefício, não sendo albergada pelo direito adquirido.
Nova circunstância fática
A nosso ver, essa discussão jurídica também deve ser enfrentada sob a ótica de uma situação nova em nosso País. Há diversos planos de benefícios que utilizam indexadores aplicados a títulos da dívida pública nacional. Por conseguinte, a aquisição desses títulos era capaz de sustentar as obrigações, uma vez que alinhavam passivos atuariais com os ativos garantidores. Recentemente, a gestão da dívida pública federal suprimiu a oferta de títulos com determinados indexadores, de forma que as novas contribuições e a liquidação de títulos mais antigos não geram a possibilidade da compra títulos capazes de constituir uma proteção na forma de um hedge para o passivo do plano.
Essa circunstância fática – capaz de, efetivamente, colocar em risco o equilíbrio dos planos de benefícios – deve determinar que prevaleça o entendimento que o conteúdo do direito adquirido deve ter o compromisso com o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, como indicado no art. 202, caput da Constituição Federal (“reservas que garantam os benefícios contratados”).
Dito de outra forma, na ponderação entre valores jurídicos, deve-se dar relevância à interpretação que mantenha o plano de benefícios complementares em equilíbrio, continuando a proporcionar o pagamento de rendas mensais a todo o grupo atendido em desfavor de um índice de reajuste capaz de colocar o plano em risco.
O art. 4º, §2º da Resolução CNPC 40/2021 determinou como requisitos para a alteração do indexador: (i) a fundamentação da necessidade da alteração em estudo técnico; (ii) a necessidade de ampla divulgação para os participantes e assistidos; (iii) a aprovação pelo órgão competente da entidade; e (iv) a aprovação pela PREVIC.
Sob o ponto de vista jurídico, a matéria não é simples, podendo haver, inclusive, a impugnação judicial de trechos da Resolução CNPC 40/2021. Por conseguinte, a realização do referido estudo técnico nos parece elemento central, pois consolidará a necessidade de alteração de indexador para a manutenção do equilíbrio do plano, aliás, como restou indicado no art. 4º §3º, III da nova Resolução.
(II) Limitação de conteúdo das regras regulamentares
Outro tema bastante alterado foi a limitação de conteúdo das regras regulamentares. A Resolução CGPC 08/2004 já trazia comando nesse sentido, contudo, o art. 5º da nova Resolução CNPC 40/2021 foi bastante modificado, ao vedar que os regulamentos dos planos tratem de: (i) matérias inerentes ao plano de custeio; (ii) tábuas de expectativa de vida, ainda que na forma de taxas ou fatores atuariais; (iii) taxa de juros atuarial; (iv) matéria estatutária; (v) empréstimos e financiamentos a participantes e assistidos; (vi) planos ou serviços de assistência à saúde; e (vii) outras matérias não relacionadas a plano de benefícios.
De fato, o custeio (no sentido mais amplo) de benefícios definidos é matéria que merece revisão periódicas, inclusive por conta do art. 18 da LC 109/2001 que dispõe que o plano de custeio deve ter periodicidade mínima anual, estabelecendo o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas.
O tema, porém, não é tão trivial, devendo-se respeitar regras contratuais previstas nos regulamentos em muitos casos.
Por sim, é preciso apontar que muitos regulamentos trazem regras que estariam em desconformidade com a Resolução CNPC 40/2021, porém, a nova norma reguladora não fixou prazo para revisões de regras regulamentares. A nosso sentir, seria necessário que a nova Resolução fixasse um prazo para a remessa pelas entidades de eventuais ajustes para aprovação da PREVIC.
(III) Documentação necessária e requisitos para estatutos, convênios e regulamentos de planos
Houve também uma importante alteração estrutural na indicação da documentação necessária e respectivos requisitos para a apresentação de novos instrumentos do contrato previdenciário (estatutos, convênios e regulamentos de planos) ou para a modificação desses instrumentos.
A revogada Resolução CGPC 08/2004 trazia o rol de documentos e procedimentos necessários. A nova regra regulatória remeteu o tema para “norma [a ser] editada pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar” (art. 6º).
Há um evidente sentido de simplificação, que tornaria mais ágeis as alterações nas regras de caráter operacional. Deve-se ponderar, contudo, que a regulação é uma forma de intervenção no ambiente privado da previdência complementar, contando o CNPC com representantes da sociedade civil, que gera uma interação positiva com o Estado.
Assim, a delegação sem o estabelecimento de padrões mínimos pode, no futuro, se mostrar em dissonância do objetivo de simplificação e segurança que o Regime de Previdência Complementar precisar possuir.
Flavio Martins Rodrigues, sócio sênior (frodrigues@bocater.com.br)
Andrea Neubarth Corrêa, consultora sênior (acorrea@bocater.com.br)