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TCU: Nova decisão sobre a fiscalização nos Fundos de Pensão das Estatais Federais

O Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu, em 02 de junho de 2021, o Acórdão nº 1301/2021 nos autos do Processo de Tomada de Contas Especial nº 010.409/2017-3, pelo qual analisou supostos prejuízos impostos ao Postalis – Instituto de Previdência Complementar em decorrência de investimentos realizados no Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) Trendbank.

O voto proferido pelo ministro Vital do Rêgo, acolhido pelo Plenário do TCU, foi no sentido de julgar irregulares as contas de dois ex-dirigentes do Postalis e do Trendbank S/A Banco de Fomento (gestor do referido FIDC), condenando-os solidariamente ao recolhimento dos danos ao Postalis e aplicando para as pessoas físicas as penalidades de multa pecuniária e inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública.

A decisão interessa especialmente por retomar, em seus fundamentos, o debate sobre a extensão da competência do TCU em relação às entidades fechadas de previdência complementar (EFPC ou Fundos de Pensão), tema que temos acompanhado, de forma minuciosa, desde 2005.

O TCU proferiu os Acórdãos 0201/2006, 573/2006 e 2232/2011, dando início ao debate jurisprudencial, com decisões que oscilam ao admitir as chamadas “fiscalização de primeira ordem” e “fiscalização de segunda ordem”.

A competência de primeira ordem se refere ao entendimento pela possibilidade de atuação direta do TCU em relação aos Fundos de Pensão de forma integral, nos moldes da atuação em relação às empresas públicas e sociedades de economia mista federais.

A competência de segunda ordem se refere ao entendimento pela possibilidade de atuação indireta do TCU em relação às EFPC, seja através da fiscalização do órgão responsável pela supervisão das entidades (a Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC), seja através de seus patrocinadores (as estatais federais), em razão da obrigação de supervisão destes em relação às entidades patrocinadas prevista nas Leis Complementares 109/2001 e 108/2001.

Houve uma série de decisões da Corte Federal de Contas. Em algumas, o TCU entendia cabível a fiscalização de primeira ordem e, em outras, aplicava a competência pela fiscalização de segunda ordem.

Em 25 de abril de 2012, o Ministro de Estado da Previdência Social formulou consulta ao TCU acerca de possíveis conflitos de competência entre essa Corte de Contas, a PREVIC e outros órgãos de fiscalização das EFPC, no qual foi proferido o Acórdão n° 3133/2012, que entendeu que o Tribunal possui “atuação fiscalizatória de primeira ou segunda ordem, sobretudo nas hipóteses de operações que gerem ou possam gerar prejuízos ao erário, verificará o cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal, das Leis Complementares nºs 108/2001 e 109/2001, bem como as regulações expedidas pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar, pelo Conselho Monetário Nacional entre outras leis e normas infralegais, mediante a utilização dos procedimentos previstos em seu regimento interno, em suas resoluções administrativa, instruções e decisões normativas, a exemplo de tomadas de contas especiais, inspeções, auditorias, acompanhamentos, monitoramentos, relatórios de gestão etc.”
(item 9.2.2. – grifou-se).

Tal posição se firmou como paradigma em casos posteriores submetidos ao plenário do TCU, tendo sido a competência de primeira e segunda ordem reafirmada nos Processos TC n° 012.230/2016-2 (Acórdão n° 630/2017) e TC n° 016.257/2017-0 (Acórdão nº 595/2018).

Em 2020, o TCU proferiu, ainda, o Acórdão nº 843/2020, que reafirmou a competência dessa Corte, mas trouxe algum nível de restrição, no sentido de que, ordinariamente, a fiscalização deve ser empreendida pela PREVIC e, apenas nas hipóteses de indícios de irregularidade, a Corte de Contas deveria exercer a sua jurisdição de forma primária.

No recente julgamento (Acórdão nº 1301/2021), a manifestação do ministro Vital do Rêgo foi expressa quanto à competência do TCU para fiscalizar, em primeira ou segunda ordem, os investimentos realizados pelas EFPC. Vejamos:

191. Afastando antecipadamente eventual arguição de que não se tratava de recursos públicos, vale trazer entendimento esposado no Acórdão 3.133/2012-P, de relatoria do Min. Augusto Nardes, de que os recursos integrantes das contas individuais dos participantes das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), quer oriundos do patrocínio de órgãos públicos ou de entidade de natureza jurídica de direito privado, quer das contribuições individuais dos participantes, enquanto administrados pelas EFPC, são considerados de caráter público.

192. Ademais, a competência constitucional do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos pelas EFPC, direta ou indiretamente, não ilide nem se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico, como o realizado pelos entes patrocinadores, pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e por outros órgãos a quem lei ou Constituição Federal atribui competência.

193. No mesmo sentido, em decisão no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), o Min. Roberto Barroso (MS 34.738, DF) estatuiu que o TCU possui competência para a fiscalização do dinheiro empregado pelas entidades fechadas de previdência complementar. Ratificou ainda que a competência da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) não afasta a competência do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos pelas entidades fechadas de previdência complementar, direta ou indiretamente.
(Grifou-se.)

Esse entendimento se afasta do amadurecimento que vinha sendo gradativamente alcançado pela jurisprudência do TCU desde 2005, colidindo com a natureza privada do regime de previdência complementar preconizado no próprio art. 202 da Constituição Federal.

Ademais, nesse caso, há um passo a mais: uma instituição do mercado financeiro – Trendbank– foi igualmente responsabilizado e sancionado numa condenação solidária com os ex-dirigentes do fundo de pensão.

Com muito acerto, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP) ajuizou, em 2021, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 817 no Supremo Tribunal Federal (STF), requerendo que essa corte determine ao TCU que se abstenha de fiscalizar diretamente e de imputar responsabilidades às EFPC e seus dirigentes. O processo foi distribuído à ministra Rosa Weber, que ainda não apreciou a liminar requerida.

O Bocater possui uma área especializada em direito administrativo (que atua junto aos órgãos de controle tais como o TCU, tribunais de contas estaduais, etc.) e, juntamente com a área especializada de direito previdenciário complementar, segue acompanhando a matéria.

Flavio Martins Rodrigues, sócio sênior (frodrigues@bocater.com.br)
Cristina Bertinotti, advogada associada (cbertinotti@bocater.com.br)
Gabriel Augusto Cintra Leite, advogado associado (gleite@bocater.com.br)

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