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TCU decide que compete ao Congresso Nacional a definição sobre extinção das Golden Shares

No último dia 12 de fevereiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu o julgamento da Consulta nº. 025.285/2017-3 sobre a possibilidade de supressão das ações preferenciais de classe especial (Golden Shares) instituídas em companhias que foram objeto de desestatização.

Tais ações, de propriedade exclusiva do ente público desestatizante, conferem ao seu titular um poder de veto sobre determinadas deliberações da companhia, em vez dos poderes típicos correspondentes ao percentual de sua participação no capital social.

No Brasil, a Golden Share é prevista pelos dispositivos que regulamentam o Programa Nacional de Desestatização e, ainda, pelo artigo 17, §7º da Lei das Sociedades Anônimas . Contudo, seus contornos não são claramente delimitados pela legislação, cabendo, assim, aos respectivos estatutos sociais das companhias a definição dos poderes conferidos a essa classe de ações .

Historicamente, seu emprego se assentava na compreensão de que a completa retirada da influência estatal de determinado segmento econômico poderia implicar risco à prestação de serviços e fornecimento de bens tidos como estratégicos para o desenvolvimento do país.

Considerando este contexto, infere-se que as Golden Shares assumiram a função de instrumentos regulatórios endógenos. Isto porque, à época da realização dessas desestatizações as agências reguladoras setoriais não eram fortemente institucionalizadas.

No entanto, à luz da realidade brasileira, esse instituto deve ser implementado e/ou mantido apenas diante das hipóteses autorizativas do artigo 173 da CRFB/88 . Deve-se reconhecer que, por mais que essa forma de regulação intrassocietária seja capaz de reduzir determinados custos regulatórios, sua previsão demanda a existência de uma hipótese de imperativo de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo que justifique a referida disposição estatutária.

Em razão desse fato, isso não significa que, uma vez instituída, tal classe de ações deva perdurar e permanecer sob a titularidade do ente público. Não deve ser admitida a existência de um quadro estático, imutável: é necessário que o fundamento que ensejou a criação dessas ações seja revisitado frequentemente, diante das modificações experimentadas pela conjuntura política e de mercado.

Entretanto, nada obstante a possibilidade de extinção das Golden Shares derivar diretamente do texto constitucional, inexiste regulamentação sobre o tema. Assim, diante da existência desse vácuo normativo e também da necessidade de adequação, por completo, dessas companhias ao setor privado, o então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles apresentou a já citada Consulta  com o intuito de que o TCU respondesse aos seguintes questionamentos: (i) se seria possível a extinção das Golden Shares nas companhias em que foram instituídas; (ii) se a decisão acerca de sua supressão poderia ser feita sem contraprestação pecuniária; e, ainda (iii) se a decisão acerca da extinção dessa classe de ações competiria ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI), ou, unicamente, ao Ministro da Fazenda, sucedido pelo atual Ministério da Economia.

Desse modo, em 18 de julho de 2018 o julgamento da Consulta teve início com o voto do Ministro Relator, José Múcio, em que este sustentou que seria possível a extinção das Golden Shares, por deliberação do Conselho do PPI, desde que mediante o pagamento de uma compensação ao ente público titular da ação.

Em seguida, o processo teve seu julgamento suspenso em razão de um pedido de vista formulado pelo Ministro Vital do Rêgo que, ao retomar seu voto, em 11 de outubro de 2019, inaugurou uma nova tese. Segundo seu entendimento, o TCU deveria fixar que caberia ao Congresso Nacional a deliberação acerca da possibilidade de extinção das Golden Shares bem como a definição do ente competente para a referida decisão. As deliberações, no entanto, só foram concluídas quando o processo foi novamente colocado em pauta no dia 12 de fevereiro de 2020.

Da análise do Acórdão nº. 284/2020, elaborado quando da conclusão das três sessões, extrai-se que o processo de tomada de decisão dos ministros da Corte de Contas não foi linear. Isso porque, no curso das deliberações os participantes do julgamento alternaram seus posicionamentos entre as duas teses veiculadas por diversas vezes, podendo-se constatar, até mesmo, uma certa contradição nos votos acostados.

Ao final, o TCU decidiu que não seria de sua competência a definição de uma tese a ser observada pelos entes públicos tendo em vista que, no caso em questão, não se está diante de uma dúvida quanto à aplicação de um diploma legal, mas sim diante de um cenário de omissão legislativa.

Bernardo Costa e Silva, sócio (bsilva@bocater.com.br)
Thiago C. Araújo, advogado sênior (taraujo@bocater.com.br)

 

Autores

Bernardo Costa e Silva e Thiago C. Araújo

Área de atuação

Previdência Complementar e Investidores Institucionais

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