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STJ reafirma competência da Justiça Comum para julgar demanda de previdência privada

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Conflito de Competência nº. 158.673/CE em sessão realizada dia 3 de dezembro de 2020, para determinar, por unanimidade de votos, a competência da Justiça Comum para julgar demanda oriunda de contrato de previdência privada, mesmo que a causa demande análise incidental de matéria trabalhista.

O julgamento em questão solucionou o conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo de Direito da 33ª Vara Cível de Fortaleza em face do Juízo da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza para julgar demanda proposta por participante em face de entidade fechada de previdência complementar (EFPC) e seu respectivo Patrocinador.

No caso concreto, o participante requer que “sejam aplicados aos seus benefícios de previdência complementar os mesmos critérios de reajuste adotados para os empregados da ativa, embora não tenham aderido à alteração do regulamento”, com a determinação de condenação solidária dos Réus.

O juízo trabalhista declarou sua incompetência uma vez que o pedido está vinculado à aplicação de regulamento de benefício de aposentadoria complementar, enquanto o magistrado do foro cível determinou sua incompetência em razão da necessidade de revisão de matéria trabalhista incidental, referente à análise de nulidade de acordo coletivo de trabalho.

A Segunda Seção do STJ concluiu que “a competência para o julgamento de quaisquer pedidos relacionados a benefícios de previdência complementar, mesmo que tenham por causa de pedir questão de direito do trabalho, é da Justiça comum”.

É importante registrar que a ministra relatora Maria Isabel Gallotti mencionou relevantes paradigmas da Corte Especial[1] e esclareceu que “o pedido de anulação de cláusulas de acordo coletivo de trabalho é meramente incidental. A única pretensão deduzida na inicial em face de ambas as rés, em caráter solidário, é de que a complementação das aposentadorias dos autores siga a mesma tabela salarial aplicada para os empregados em atividade. Não se pede, em face da ex-empregadora, a recomposição da reserva matemática como pressuposto para que a entidade de previdência complementar reveja o valor do benefício previdenciário.”[2].

O entendimento proferido pela Segunda Seção do STJ é de extrema relevância para o debate empreendido no sistema, que se manteve mesmo após o julgamento dos paradigmas RE 586.453/SE e RE 583.050/RS em 2013, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu a competência da Justiça Comum para julgar demandas relacionadas ao contrato de previdência complementar.

Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) majoritariamente manteve entendimento sobre sua competência para julgamento de demandas que versem exclusivamente sobre as contribuições de patrocinadores e participantes para planos de benefícios de entidades fechadas de previdência complementar, com aplicação analógica da Súmula 53 do STF[3].

O fato pode ser observado no Acórdão do Recurso de Revista nº. 0000715-13.2014.5.04.0811, proferido pela Primeira Turma do TST, publicado em 5 de abril de 2019, no qual foi mantida a competência da Justiça Trabalhista, sob a justificativa de que “não se trata de pedido de diferenças de complementação de aposentadoria, mas apenas do recolhimento de contribuições devidas à entidade privada sobre parcelas reconhecidas em juízo. Nessa hipótese, não se aplica o entendimento adotado no RE 586.453 pelo STF, sendo a Justiça do Trabalho a competente para julgar tal pedido”.

Acreditamos que o posicionamento do STJ está perfeitamente adequado ao entendimento do STF: nos parece que os Recursos Extraordinários RE 586.453/SE e RE 583.050/RS não deixaram espaço para exceções capazes de determinar a competência da Justiça Trabalhista em casos que versam sobre o contrato de previdência complementar fechada.

Neste ponto, cabe lembrar as palavras da relatora ministra Ellen Gracie quando do julgamento dos Recursos Extraordinários RE 586.453/SE e RE 583.050/RS, segundo a qual “a relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista. Ela está disciplinada no regulamento das instituições”. Na mesma linha, o ministro Dias Toffoli reiterou que “a previdência complementar não é tema de contrato de trabalho; é uma autonomia dada explicitamente pela Constituição na redação trazida pela Emenda constitucional nº 20”.

Em que pese o julgamento do CC 158.673/CE pelo STJ não esgotar o debate sobre a competência para julgamento de ações que versem sobre o contrato previdenciário, visto a remansosa jurisprudência do TST, trata-se de importante norte para o sistema de previdência complementar.

 

Fernanda Rosa S. Milward Carneiro, sócia (frosa@bocater.com.br)
Pedro Diniz da Silva Oliveira, advogado (poliveira@bocater.com.br)

 

  1. Foram mencionados o julgamento CC 154.828/MG, CC 158.190, CC 154.828/MG, CC 158.673/CE e REsp 1.370.191, todos com detalhamento sobre as diversas hipóteses de ações demandadas em face de Fundos de Pensão e seus patrocinadores com determinação de competência da Justiça Comum para julgamento dos feitos, inclusive após o julgamento do paradigma de repercussão geral do STF.
  2. Aqui, é necessário esclarecer que o julgamento se comunica diretamente o julgamento do recuso especial representativo de controvérsia nº. REsp 1.312.736/RS, quando foram fixadas as seguintes teses para o Tema 955 do STJ:

I – A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria;

II – Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho;

III – Modulação de efeitos (art. 927, § 3º, do CPC/2015): para as demandas ajuizadas na Justiça Comum até a data do presente julgamento, e ainda sendo útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras), reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso;

IV – Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa do ente fechado de previdência complementar

  1. Súmula 53 STF: “A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados”.

Autores

Fernanda Rosa S. Milward Carneiro e Pedro Diniz da Silva Oliveira

Área de atuação

Previdência Complementar e Investidores Institucionais

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