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STJ: divulgado inteiro teor da decisão sobre reflexo de verbas remuneratórias na complementação de aposentadoria

Em nossa Newsletter divulgada em 29 de outubro de 2020, tivemos a oportunidade de analisar as teses fixadas pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento dos Recursos Especiais Representativos nº REsp 1.740.397/RS e REsp 1.778.938/SP (Tema 1.021). Com a divulgação da íntegra da decisão[1], voltamos com uma análise mais detalhada do caso.

Primeiramente, cabe relembrar que a questão submetida a julgamento consistia na “possibilidade de inclusão no cálculo da complementação de aposentadoria, paga por entidade fechada de previdência privada, de verbas remuneratórias incorporadas ao salário do trabalhador por decisão da Justiça do Trabalho, após a concessão do benefício, sem a prévia formação da correspondente reserva matemática”.

Foram fixadas as seguintes teses:

(a) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria;

(b) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho;

(c) Modulação de efeitos (CPC/15): nas demandas ajuizadas na Justiça Comum até 8/8/18, data do julgamento do REsp 1.312.736, e ainda sendo útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devam compor a base do cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso;

(d) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa do ente fechado de previdência complementar.

O julgamento define a impossibilidade de repercussão de qualquer verba deferida em reclamação trabalhista no cálculo do benefício de aposentadoria das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC).

A questão não é propriamente uma novidade: a Segunda Seção do STJ já havia analisado a possibilidade de “inclusão, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria das horas extraordinárias habituais, incorporadas ao salário do participante de plano de previdência privada por decisão da justiça trabalhista”[2] (Tema 955). Contudo, como a tese fixada fazia menção à verba “horas extras”, a dúvida acerca da extensão do entendimento para as demais verbas remuneratórias subsistiu.

Como ressaltado pelo relator ministro Antonio Carlos Ferreira, a questão jurídica apresentada no Tema 1.021, assim como os fatos de relevo a serem considerados, “guardam estreita semelhança” com a questão debatida no Tema 955. Com isso, “a afirmação da tese mais ampla, para que o enunciado estabelecido no Tema n. 955/STJ seja aplicável ao pedido de incorporação de quaisquer verbas remuneratórias no benefício já concedido, mostra-se adequada e coerente, pois, conforme a fundamentação transcrita, a verba em si (horas extras habituais) não foi motivo determinante para o entendimento fixado no julgamento do REsp n. 1.312.736/RS”.

A decisão é clara ao afirmar que “seja qual for a espécie de verba remuneratória reivindicada perante a Justiça do Trabalho, é possível concluir, como se afirmou no repetitivo anterior, pela impossibilidade de sua incorporação no benefício de previdência complementar, caso não haja o prévio aporte, nos termos exigidos pelo respectivo regulamento, porque invariavelmente haverá prejuízo para o equilíbrio atuarial do plano”.

Os mesmos fundamentos que ensejaram a modulação do Tema 955 justificaram a delimitação do alcance da tese firmada no acórdão ora analisado: as ações propostas na Justiça Comum até 8 de agosto de 2018 poderão determinar a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias, com dois condicionantes: (i) a existência de previsão regulamentar; e (ii) a prévia recomposição da reserva matemática, a ser vertida pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial.

Em nosso entendimento, a tese fixada não significou um desamparo para a situação de ato ilícito eventualmente cometido em face do ex-empregado, participante de plano complementar de benefícios. Isso porque a decisão contemplou a possibilidade de reparação por meio de ação própria em face do ex-empregador, que deverá repor os “eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador”.

Neste ponto, nos parece relevante refletir a respeito da indenização pelo “ilícito previdenciário”: as verbas trabalhistas observam o limite do prazo prescricional de cinco anos. De outro lado, a indenização pelo “ilícito previdenciário” poderá ter a projeção futura, gerando valores expressivos a serem custeados pelo empregador-patrocinador.

Com efeito, a extensão desse ilícito terá aferição atuarial, que irá considerar as diferenças de complementações pelo tempo da expectativa de vida do participante e eventual beneficiário.

Em conclusão, entendemos que o STJ empreendeu importante (e coerente) julgamento para o Regime de Previdência Complementar Fechado, alinhando uma vez mais o posicionamento da Corte com os princípios basilares do sistema, evitando uma ruptura decorrente da concessão de benefícios sem prévio custeio. Certamente, os patrocinadores e as suas respectivas EFPC, quando do contingenciamento de ações judiciais, deverão estar atentas às peculiaridades das teses fixadas e do conteúdo da modulação.

Fernanda Rosa S. Milward Carneiro, sócia (frosa@bocater.com.br)

  1. Publicada em 11.12.2020.
  2. Acórdão publicado em 16.08.2018, nos autos do REsp 1.312.736/RS.

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

Área de atuação

Previdência Complementar e Investidores Institucionais

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