Publicações

Reforma Tributária. Pílulas de Informação – n.3: plataformas digitais, base de cálculo e responsabilidade

A chamada “Economia Colaborativa” representa uma enorme inovação na forma de fazer negócios e boa parte dessa inovação está fundamentada no advento das plataformas digitais, capazes de viabilizar a conexão de um extraordinário número de pessoas que negociam diretamente entre si (“peer-to-peer economy”) e, consequentemente, de fornecer escalabilidade para os negócios, inalcansável de outra forma.

Os negócios nascidos sob a lógica digital são alicerçados na relação entre produtos, serviços, lugares e pessoas por meio de diversas plataformas e tecnologias devidamente conectadas, comportando a presença de um protagonista (os proprietários das plataformas) orientador do mercado (ao passo que na economia tradicional cada administração orienta sua empresa em todas as etapas da operação). Esse protagonista atua exclusivamente como facilitador entre outras partes interessadas, potenciais fornecedores de bens ou serviços e seus clientes.

Trata-se de modelo disruptivo, muitas vezes com fluxos financeiros invertidos em relação ao que se conhece na economia tradicional e com origem de receitas diferentes do que se pode imaginar à primeira vista. Outras características abaixo

relacionadas contribuem para entendermos quão distinto esses negócios são em relação aos tradicionais[1]:

(i)Quanto aos mercados: na economia via plataformas digitais os mercados são multidirecionais, ou seja, diversos agentes participam de uma mesma transação.

(ii)Quanto à origem dos ganhos: as plataformas retêm apenas um pequeno percentual das transações de terceiros e em algumas situações, alguns dos usuários nem precisam pagar pela utilização do “serviço” disponibilizado. As plataformas também podem cobrar tarifas e ganham com divulgação de publicidade.

CBS Operações Nacionais

O Projeto de Lei 3887/2020 prevê que nas operações nacionais, as plataformas digitais sejam responsáveis pelo recolhimento da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) incidente sobre a operação realizada por seu intermédio. Essa responsabilidade, no entanto, está limita às transações em que o parceiro da plataforma, provedor da utilidade (bem ou serviço), por seu intermédio, não esteja obrigado a emitir nota fiscal eletrônica.

O conceito que fundamenta essa medida parece ser transferir a responsabilidade para a plataforma digital que dispõe de todas as informações sobre seus parceiros de negócios, visando criar uma rede de vigília em relação à conformidade fiscal.

Importante notar que por “plataforma digital” o art. 6º do PL 3887 entende que seja a “pessoa jurídica que atua como intermediária entre fornecedores e adquirentes nas operações de vendas de bens e serviços de forma não presencial, inclusive na comercialização realizada por meios eletrônicos”.

Também é curioso ressaltar que o PL exclui do conceito de “plataforma digital” as empresas que executem somente uma das seguintes atividades: (i) provedor de  acesso à internet; (ii) processamento de pagamentos, (iii) publicidade ou (iv) procura de fornecedores, desde que não cobrem pelo serviço com base nas vendas realizadas.

As empresas proprietárias de plataformas digitais só atrairão a responsabilidade tributária sobre transações ocorridas no Brasil se originariamente tais transações estiverem sujeitas à contribuição. Assim, a responsabilidade só é atraída quando a transação é feita por parceiros que sejam contribuintes da CBS, ou seja, pessoas jurídicas de direito privado e equiparadas pela legislação do IRPJ. Logo, transações em que a venda é feita por pessoas físicas, como é o caso da maioria dos usuários de plataformas como Enjoei, Repassa e do próprio Airbnb, permanecerão fora do escopo do tributo.

Em relação às transações nacionais,  é possível aprimorar o PL para deixar claro se a atribuição da responsabilidade se dá em caráter supletivo ou em caráter exclusivo (excluindo a responsabilidade do contribuinte) (art. 128 CTN), sendo certo que, dado ao fato de a capacidade contributiva ser do parceiro e de haver limitações jurídicas e práticas quanto ao exercício dessa responsabilidade, não parece correto que ela se dê em caráter exclusivo.

CBS Operações Internacionais

Em relação as operações de importação, as plataformas “não-residentes” serão responsabilizadas solidariamente pelas operações realizadas por seu intermédio (art. 65, inciso V).

Nesse caso (transações transnacionais), o contribuinte do tributo é o importador e pode ser pessoa física ou jurídica residente no Brasil (art. 64). Logo, as plataformas digitais “não residentes” estarão obrigadas ao preenchimento de cadastro que será implementado pela Receita Federal do Brasil (RFB). Caberá à RFB o desafio de resolver esse enigma ainda não solucionado em diversos outros países.

Vale mencionar que, para fins da incidência da CBS, a venda de intangíveis também está enquadrada na categoria “serviços” para fins da contribuição na sua modalidade “importação” (art. 61, § 1º).

Na prática, a transferência de responsabilidade imporá muitos desafios às proprietárias das plataformas (residentes e não residentes), posto que esse negócio, por suas características já elencadas, é fluido, tem fluxos financeiros complexos e não encontra barreiras em função da geografia.

Equipe Bocater (contato@bocater.com.br)

[1]Wirtz et. al., Jochen & So, Kevin Kam Fung & Mody, Makarand & Liu, Stephanie & Chun, Helen. (2019). Platforms in the Peer-to-Peer Sharing Economy. Journal of Service Management. 30.p. 452-483.

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

Área de atuação

Tributário

Categorias