Publicações

Para Receita, rendimentos do exterior com origem em trusts estão sujeitos ao IRPF pelo carnê-leão

Em sua primeira manifestação acerca do tema, a Receita Federal do Brasil publicou, em 31 de março, a Solução de Consulta Cosit 41/2020, na qual trata da tributação de rendimentos oriundos de trusts no exterior, com o controverso entendimento de que referidos valores se sujeitariam à tributação progressiva de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) pelo carnê-leão, de até 27,5%.

No caso analisado, sabe-se que a contribuinte passou a receber, após o falecimento de seu cônjuge, valores pagos por um trust que havia por ele sido constituído nas Bahamas.

Como se sabe, o trust é uma figura amplamente utilizada nos ordenamentos jurídicos de países que seguem a tradição da common law, com origem no Direito inglês, por meio do qual um indivíduo (também chamado de settlor) transfere ativos em sua propriedade para um terceiro (o trustee), que tem o dever de cumprir as diretrizes estabelecidas na escritura do trust. Tipicamente, é essa escritura que irá dispor sobre como e em quais condições o beneficiário do trust poderá acessar os ativos que foram a ele transferidos (a partir de determinado evento). Pelas suas características, trusts são comumente utilizados para regular aspectos sucessórios.

Por não estar previsto no ordenamento brasileiro, de tradição civilista (civil law), existe bastante insegurança jurídica a respeito de quais são as consequências tributárias no Brasil quando da instituição de um trust ou – como é o caso da situação analisada na SC 41/2020 – do percebimento de recursos por indivíduos residentes no País. Especificamente, não se tem clareza acerca da qualificação no Brasil de valores oriundos de trust (doação, herança ou renda), o que implicaria consequências tributárias distintas.

Na Solução de Consulta em questão, a RFB acabou por entender, a nosso ver, equivocadamente, que há tributação pelo carnê-leão mesmo na hipótese de o beneficiário ser cônjuge do instituidor. Como se sabe, valores recebidos por doação ou herança não estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda no Brasil (Art. 35, VII, “c” do Decreto 9.580/2018 – Regulamento do Imposto de Imposto de Renda), razão pela qual o entendimento da RFB tem sido objeto de crítica.

De todo modo, percebe-se, a partir da leitura da SC 41/2020, que a RFB fez uma análise geral, na medida em que não dispunha de mais detalhes fáticos. Alguns elementos poderiam influenciar o entendimento da RFB e, possivelmente, alterar a sua conclusão, a exemplo do (i) regime de bens do casamento (comunhão universal, parcial ou separação total), (ii) se os valores recebidos a título de benefício do trust correspondiam ao patrimônio transferido pelo instituidor (principal) ou a rendimentos dele oriundos (nova renda tendente a acrescer o patrimônio) ou ainda (iii) se o trust era revogável ou irrevogável.

Há, ainda, discussão que a RFB deixou de analisar na SC 41/2020, por ausência de competência, acerca da incidência ou não de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis (ITCMD), tributo estadual (Art. 155, I da Constituição Federal). Parece-nos que há, aqui, uma questão relevante a ser enfrentada pelas autoridades tributárias e, em última análise, pelo Poder Judiciário, na medida em que a equiparação do benefício de trust a renda de qualquer natureza oriunda do exterior, como pretendeu a RFB, poderia colidir com a interpretação de alguns estados de que tais benefícios seriam tributados como herança, em um conflito de competência que levaria a uma incoerente dupla tributação dos valores (IRPF e ITCMD).

Por essa razão, e tendo em vista o contexto de grande incerteza jurídica, é fundamental que indivíduos que instituíram ou avaliam instituir trusts no exterior como mecanismo de planejamento sucessório busquem orientação jurídica quanto aos efeitos tributários que podem existir no Brasil, de forma a mitigar riscos.

Francisco Lisboa Moreira, sócio (fmoreira@bocater.com.br)

Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, sócio (amonteiro@bocater.com.br)

Luciana Ibiapina Lira Aguiar, sócia (laguiar@bocater.com.br)

Felipe Thé Freire, advogado (ffreire@bocater.com.br)

Autores

Francisco Lisboa Moreira, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, Luciana Ibiapina Lira Aguiar e Felipe Thé Freire

Área de atuação

Tributário

Categorias