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Os impactos da pandemia nas relações contratuais e a mediação como alternativa para solução de conflitos

Temos visto nas últimas semanas uma grande produção de artigos analisando os impactos da pandemia nas relações contratuais, principalmente com relação à extinção, revisão ou conservação das avenças.

Em uma análise inicial, quase que intuitivamente, tendemos a reconhecer o cenário da pandemia como uma situação de caso fortuito – caracterizado por um evento totalmente imprevisível; ou situação de força maior – evento previsível, mas inevitável. Em ambos os casos, a possibilidade de adimplemento das obrigações contratuais celebradas no cenário anterior põe-se em xeque. Isso porque o artigo 393, do Código Civil estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior “se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, devendo ser respeitada a alocação de riscos realizada pelos contratantes (Código Civil, art. 421-A).

O cenário da pandemia poderia, também, em tese, configurar situações de onerosidade excessiva que amparam a teoria da imprevisão, tal qual previstas nos artigos 478 a 480 do Código Civil. Como consequência, uma das partes contratantes, na vigência do contrato, poderia pedir a resolução do mesmo se a sua prestação se tornar excessivamente onerosa, diante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, com vantagem excessiva para a outra parte.

Podemos ver configurada ainda a situação prevista no Enunciado nº 166, da III Jornada de Direito Civil – alegação da frustração do fim da causa do contrato -. Explica-se: a frustração do fim do contrato não se confundiria com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade e teria guarida no Direito brasileiro pela aplicação do artigo 421, do Código Civil, ou seja, se por um motivo alheio às partes contratantes o contrato perder a sua razão de ser, poderá ser reputado extinto, sem que haja perdas e danos para as partes.

Todos os institutos acima mencionados tratam do problema da alteração superveniente das circunstâncias contratuais e seus efeitos sobre a relação contratual, como forma de suavizar o princípio tradicional do pacta sunt servanda (“os contratos devem ser cumpridos”).

Aliais, a Lei 13.874/19, que trata da Liberdade Econômica, conferiu maior enfoque e relevância ao princípio do pacta sunt servanda, atribuindo caráter excepcional e limitado à revisão dos contratos (artigo 421-A, inciso III, inserido no Código Civil).

Contudo, estabeleceu também que os contratos “presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção”, como pode ser eventualmente o caso da pandemia em questão.

Diante das diversas situações e consequências provocadas pandemia, quais direitos e deveres remanescem às partes contratantes? Nas contratações pecuniárias, permanece absoluta a obrigação do devedor efetuar o pagamento? Pode o devedor requerer a resolução do contrato ou a sua revisão? É direito do credor simplesmente não aceitar a resolução? E a revisão? E mais, será que esses institutos já pré- estabelecidos na nossa legislação serão capazes de solucionar todos os casos com suas concretas peculiaridades? Será necessário desenvolver soluções mais customizadas? E como atingir esse objetivo diante das alternativas atuais de resolução de conflitos?

A pandemia trará desafios (e também oportunidades) para as partes, para os Advogados e para o Poder Judiciário na busca em minimizar os impactos gerados a todos os envolvidos. Embora possa, em alguns casos, justificar eventual inadimplemento, revisão contratual ou até mesmo dar causa à rescisão, tais possibilidades não são absolutas e exigem uma análise criteriosa do caso concreto, do impacto específico da pandemia em cada relação contratual estabelecida.

Por isso, no cenário atual, é indispensável o diálogo entre as partes, o respeito e observância aos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. É necessário prestigiar as soluções consensuais. Evitar as generalizações.

Muito mais do que discorrer sobre institutos existentes na nossa legislação que tratam da alteração superveniente das circunstâncias contratuais, que flexibilizam o princípio da força obrigatória dos contratos, o objetivo deste artigo é propor uma reflexão sobre como será possível, de forma responsável, solidária e coletiva, encontrar mecanismos menos custosos para todos, objetivando compatibilizar os interesses, direitos e obrigações envolvidos.

Quando se pensa em um caminho para essa questão, o instituto da mediação surge como melhor alternativa para acomodar grande parte dos conflitos surgidos pela pandemia.

A mediação consiste no meio consensual de solução de controvérsias, em que um terceiro imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos e propiciar que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação controvertida, protagonizar saídas produtivas para os impasses que os envolvem (TARTUCE, 2019, p. 53).

O contexto atual é altamente propício para que as partes, maiores conhecedores dos seus próprios negócios, necessidades e impedimentos, envidem esforços para desenhar soluções que importem em vantagens recíprocas e que possam efetivamente ser cumpridas. Chegou a hora dos contratantes deixarem de se relacionar como adversários, passando a atuar, concretamente, como parceiros de negócio.

As partes devem, assim, procurar soluções intermediárias e razoáveis, movidas pela equidade e pela boa razão. Ao invés do confronto, é preciso agir com solidariedade. Diferentemente do que ocorre quando estamos diante de uma disputa judicial, na mediação não haverá um vencedor e um perdedor. As partes em conjunto, com a presença do mediador, que ajudará a construir um diálogo profícuo por meio de técnicas específicas facilitar o diálogo, construirão uma solução que atenda aos seus principais interesses, alcançando, ao final, um resultado “ganha-ganha”.

Para aqueles que temem tratar-se de algo muito genérico, subjetivo, e que geralmente optam pela terceirização dos seus conflitos, vale esclarecer que as soluções obtidas por meio da mediação podem e geralmente são alcançadas em bases objetivas, após a apresentação de dados, provas.

A mediação, por permitir a contratação de profissionais capacitados e focados no aprofundamento do entendimento da situação conflitiva, permite dosar riscos e buscar convertê-los em ganhos recíprocos, evitando a delegação da decisão a um terceiro que pode dar tudo a ganhar ou pôr tudo a perder (TARTUCE e MARCATO, 2018, p. 520).

Conforme muito bem pontuado por Fernanda Tartuce e Marcato, “são vantagens da mediação contratual: i) a menor duração do procedimento de mediação em comparação com a extensão dos processos judicial e arbitral; ii) a boa relação de custo-benefício-duração que a mediação tem o potencial de oferecer; iii) a existência de inúmeros mediadores capacitados e câmaras privadas de mediação aptas a lidar com controvérsias; iv) a possibilidade de participação dos contratantes na formatação de saídas criativas para compor o conflito ” (TARTUCE e MARCATO, 2018, p. 525).

Assim, o momento exige ponderação e algum esforço para se privilegiar a revisão contratual em detrimento do fim da relação. E a revisão contratual, por sua vez, pode ser alcançada de diversas maneiras: mediante a redução da obrigação, dilação do prazo para seu cumprimento, alteração do modo de executá-la, ou mesmo por meio da suspensão temporária dos efeitos do contrato durante a crise.

Julgamos que o mais relevante de tudo o que foi dito é a importância de uma análise criteriosa da relação contratual em questão não só para se definir o instituto aplicado à hipótese, como também o remédio mais eficaz para a sua solução, seja ele a mediação ou até mesmo a terceirização da decisão, em casos onde somente a intervenção estatal ou arbitral será capaz de solucionar o conflito. O que nós, operadores do Direito, temos obrigação de esclarecer é que não existe “receita de bolo” ou “fórmula mágica” capaz de padronizar os efeitos da pandemia causada pela Covi- 19.

Bruno Carriello, sócio (bcarriello@bocater.com.br)
Maria Carolina Melo, sócia (mmelo@bocater.com.br)

Autores

Bruno Carriell e Maria Carolina Melo

Área de atuação

COntratos e Planejamento Patrimonial

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