Publicações

Inaplicabilidade do CDC em Contratos de Mútuo e Financiamento Imobiliário celebrados entre participantes e EFPC

As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) são responsáveis pela administração de planos de benefícios previdenciários direcionados à proteção de trabalhadores e seus familiares em face de riscos relacionados à capacidade laborativa, notadamente a invalidez, a morte e a velhice. Portanto, essas pessoas jurídicas desempenham atividades nitidamente voltadas para o atendimento do interesse coletivo.

O artigo 202 da Constituição Federal traz como norte do sistema de previdência complementar o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial, determinando a inafastável necessidade de “constituição de reservas que garantam o benefício contratado”. Naturalmente, esta forma de custeio demanda a formação de um portfólio de investimentos capaz de gerar rentabilidade aos recursos administrados pelas EFPC, de modo que tais valores sejam capazes de honrar com os pagamentos dos benefícios contratados.

Dentre as operações de investimento disciplinadas pelo Conselho Monetário Nacional na vigente Resolução nº 4.661, de 25 de maio de 2018 (Resolução CMN 4.661/2018), estão previstas as operações com participantes, cujas modalidades mais comuns consistem no empréstimo pessoal e financiamento imobiliário[1]. Essas operações, inseridas em ambiente normativo com comandos constitucionais e infraconstitucionais próprios, devem gerar resultados positivos para os planos de benefícios e, consequentemente, aos efetivos destinatários dos recursos administrados pela EFPC: participantes, assistidos e beneficiários.

Em regra, essas operações costumam ter condições vantajosas para participantes e assistidos, notadamente em razão de taxas administrativas, custos de seguro e juros menores do que aqueles praticados pelos bancos comerciais. Contudo, mesmo diante da regra constitucional de necessidade de formação de reservas coletivas e condições usualmente mais proveitosas que as de mercado, a litigiosidade é expressiva.

Não é incomum nos depararmos com decisões judiciais que atribuem à relação previdenciária – cuja finalidade primária é social – um olhar inadequadamente consumerista. Para ilustrar, citamos a recente decisão[2] proferida pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro nos autos do Agravo de Instrumento 0030911-92.2020.8.19.0000, oportunidade em que os julgadores afirmaram que a EFPC atuaria como “fornecedor de serviços na forma do artigo 3º § 2º do CDC”, pois o contrato de empréstimo celebrado entre participante e EFPC não teria natureza previdenciária.

Em nossa visão, as decisões que determinam a incidência do CDC em contratos previdenciários, como é o caso de operações financeiras realizadas entre participantes e EFPC, desrespeitam o ambiente constitucional e legal protetivo do sistema de previdência complementar, que guarda o patrimônio comum de milhares de participantes ativos, assistidos e beneficiários dos planos previdenciários.

Ainda além, entendemos que as decisões que aplicam o CDC violam o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consubstanciado na Súmula 563, que indica que o CDC “é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas”. Neste ponto, deve-se compreender que os contratos de empréstimo pessoal e financiamento imobiliário são espécie do gênero contrato previdenciário. Essa é a conclusão a que se chega através de uma análise cuidadosa dos precedentes que deram origem ao entendimento da citada súmula.

Na Edição nº 14 da Revista de Previdência, editada pelo nosso Escritório, o artigo denominado “Inaplicabilidade do CDC aos Contratos de Mútuo e Financiamento Imobiliário Celebrados entre Participantes e Entidades Fechadas de Previdência Complementar” analisa de forma detalhada o tema. De fato, o CDC não é um instrumento adequado à solução de conflitos judiciais instaurados a partir dessas relações estabelecidas no âmbito da previdência complementar fechada, pois pressupõe duas partes distintas e, de certa forma, antagônicas: fornecedor e consumidor. Diferentemente, o contrato previdenciário tem, de um lado, o plano de benefícios (que guarda o patrimônio coletivo) e, de outro, cada um dos indivíduos que compõe essa coletividade e serão destinatários de parte desse patrimônio.

O tema demanda um olhar cuidadoso por parte dos operadores de direito e gestores de fundos de pensão. A correta compreensão do sistema de previdência complementar pelos Tribunais de Justiça contribui para a preservação dos planos de benefícios complementares, com a diminuição do passivo judicial criado por demandas de interesses individuais em detrimento do interesse coletivo do grupo de participantes.

Fernanda Rosa S. Milward Carneiro, sócia (frosa@bocater.com.br)

  1. A autorização legal para a realização desse tipo de operação deriva do art. 71 da LC 109/2001, verbis:

Art. 71. É vedado às entidades de previdência complementar realizar quaisquer operações comerciais e financeiras:

(…)

Parágrafo único. A vedação deste artigo não se aplica ao patrocinador, aos participantes e aos assistidos, que, nessa condição, realizarem operações com a entidade de previdência complementar.

  1. A decisão foi publicada em 18.11.2020.

Autores

Fernanda Rosa S. Milward Carneiro

Área de atuação

Previdência Complementar e Investidores Institucionais

Categorias