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Decreto 48.121/2021 de MG e o que ele representa para concessionárias de ônibus e aplicativos de fretados

O recente decreto publicado pelo governador Romeu Zema, de Minas Gerais, sob justificativa de modernizar os normativos sobre o transporte fretado de passageiros nas rodovias mineiras, trouxe significativa mudança para o ramo de transportes fretados no estado. Aplaudido pelas empresas de fretamento de veículos via aplicativos e criticado pelas principais concessionárias de transporte, o Decreto 48.121/2021, de 13 de janeiro de 2021, destaca-se pela inovação na regulamentação da modalidade de transportes fretados e pelo intento de facilitar sua execução.

Até a edição do decreto, vigorava o Decreto 44.035/2005, mais restrito ao transporte fretado e que estabelecia a necessidade de circuito fechado para viagens realizadas por veículo fretado de transporte de passageiros. Assim, havia a obrigatoriedade de que o grupo de pessoas em uma viagem de ida fosse o mesmo no de volta[1], o que inviabilizava a venda de passagens individuais. Pela norma anterior, o circuito realizado nessa modalidade de transporte deveria ser o fechado, com necessário protocolo de lista de passageiros com antecedência de 12 horas antes da viagem ocorrer para que se procedesse à autorização do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagens (DER-MG)[2]-[3].

Nesse sentido, as principais modificações são no sentido de possibilitar viagens de circuito aberto sem a necessidade de antecedência definida para o protocolo da lista de passageiros. Tais medidas abrem margem à maior flexibilidade de atuação das empresas e beneficia principalmente as de aplicativo, que funcionam por meio de “fretamento colaborativo”, em que usuários, utilizando-se do aplicativo, unem-se para pagar a quantia referente ao fretamento de um veículo para a realização de viagens intermunicipais[4].

Sob outra perspectiva, há preocupação e incerteza por parte das empresas concessionárias de serviço de transporte intermunicipal, que alegam concorrência desleal. O imbróglio parece sinalizar para um possível litígio, já que o decreto representaria uma quebra do contrato de concessão por parte da Administração Pública. Os fretados e aplicativos não têm obrigação de transportar passageiros com gratuidades, realizar viagens independentemente da ocupação do ônibus, cumprir rotas e horários ou pagar taxas em terminais e operar linhas sem atratividade econômica. As concessionárias, diferentemente, estão submetidas a essas restrições e condicionamentos regulatórios[5].

A Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram) manifestou preocupação, afirmando que o decreto estimula o desequilíbrio entre o transporte fretado e o transporte público em decorrência das obrigações assumidas unicamente pelas prestadoras do segundo tipo de serviço. Afirma também que o decreto ensejaria flagrante desincentivo a parcerias futuras uma vez que:

“As empresas concessionárias do transporte público são fiscalizadas periodicamente, sendo obrigadas a manter suas frotas rigorosamente dentro de padrões segurança, com manutenções contínuas, equipe de profissionais treinadas, além de garantir a operação diária em determinadas rotas e horários, mesmo aquelas que não são lucrativas.
A entidade considera que é ilegal que determinadas empresas, sem prévia concessão, escolham as rotas, dias e horários mais rentáveis, sem qualquer responsabilidade ou obrigação em manter seus serviços em cidades, dias e horários onde a rentabilidade não é atrativa.”

Vale ressaltar que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estabelece[6] o circuito fechado como padrão para o transporte fretado interestadual, sendo obrigatória a presença de lista de passageiros no veículo e possível a alteração em até 10% do número que consta na relação, até um máximo de 40 passageiros[7].

A iniciativa, que já encontra tentativas de replicação também em escala federal[8], pode representar uma tendência a reconfigurar a forma como funcionam as concessões, suscitando demandas de revisão de equilíbrio contratual decorrente das perdas sofridas pelas concessionárias.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando os desdobramentos do tema e as inovações normativas atinentes às concessões rodoviárias, seu equilíbrio contratual e inovações que possam representar novas guinadas na forma de relação administrativa.

Fernando Ferreira, advogado (fferreira@bocater.com.br)

Paulo Eduardo Rocha, estagiário (procha@bocater.com.br)

  1. Segundo inciso XIV do art. 3º da Resolução ANTT nº 4777/2005: “Circuito fechado: viagem de um grupo de passageiros com motivação comum que parte em um veículo de local de origem a um ou mais locais de destino e, após percorrer todo o itinerário, observado os tempos de permanência estabelecidos nesta Resolução, este grupo de passageiros retorna ao local de origem no mesmo veículo que efetuou o transporte na viagem de ida”.2. Decreto 44.035/2005, art. 2º, VII e VIII c/c art. 8º, §2º.

    3. A discussão já foi travada, inclusive em instâncias judiciais. O transporte por aplicativos de ônibus gera manifestações das concessionárias, sob a tese de não respeito ao circuito fechado, o que causa, mormente, que esses aplicativos operem sob a égide de medidas liminares. Há exemplos disso, como, no caso do estado de Minas Gerais, o Processo: 1009783-04.2018.4.01.0000 com Processo Referência: 1002506-80.2018.4.01.3800, julgado no âmbito de competências do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

    4. A startup Buser manifestou-se em apoio ao decreto do governador Zema, afirmando ser uma abertura para o processo de renovação no setor de transporte rodoviário no país. O interesse da empresa nessa medida consubstancia-se já no anúncio do montante de aproximadamente cem milhões de reais de investimento nos seus negócios no estado de Minas Gerais, decorrente da facilitação proporcionada pela medida. Os investimentos consistem em obras de infraestrutura de pontos de embarque e desembarque de passageiros; itens de tecnologia e segurança; financiamento de veículos; e descontos para passageiros de primeira viagem, conforme aponta a matéria disponível em: https://diariodotransporte.com.br/2021/01/14/como-contrapartida-a-decreto-de-zema-buser-diz-que-vai-investir-r-100-milhoes-em-minas-gerais/.

    5. Conforme aponta matéria “Como “contrapartida” a decreto de Zema, Buser diz que vai investir R$ 100 milhões em Minas Gerais. Disponível em: https://diariodotransporte.com.br/2021/01/14/como-contrapartida-a-decreto-de-zema-buser-diz-que-vai-investir-r-100-milhoes-em-minas-gerais/.

    6. Decreto nº 2.521/1998 e da Resolução ANTT nº 4777/2005

    7. Resolução ANTT nº 4777/2005, arts. 3º, VI, VII, VIII e art. 42, capute §1º.

    8. O Projeto de Decreto Legislativo 494/2020, do deputado federal Vinicius Poit pretende dar fim ao circuito fechado em âmbito federal, a depender da vontade política para tanto.

Autores

Fernando Ferreira e Paulo Eduardo Rocha

Área de atuação

Infraestrutura e Regulação

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