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CVM coloca em audiência pública proposta que altera regras para a emissão de BDRs

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), divulgou, em 11 de dezembro de 2019, Edital de Audiência Pública SDM nº 08/2019, no intuito de receber comentários e sugestões quanto à minuta de Instrução que propõe alterar as atuais normas reguladoras da emissão de certificados de depósito de valores mobiliários, chamados de Brazilian Depositary Receipts (BDRs)[1].
A Minuta objetiva modificar e acrescentar dispositivos à Instrução CVM nº 332 de 4 de abril de 2000, à Instrução CVM nº 359 de 22 de janeiro de 2002, à Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto de 2008, à Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009 e à Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009.

De acordo com a Instrução CVM nº 332 de 4 de abril de 2000 (ICVM 332/00) os BDRs podem ser classificados em diferentes níveis (I, II e III) conforme as características de divulgação de informações, distribuição, negociação e a existência ou não de patrocínio[2] das empresas emissoras dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito[3].
As principais alterações propostas pela Minuta são:

(i) Conceito de emissor estrangeiro: na atual regulamentação, somente emissores estrangeiros podem emitir BDRs e o conceito de emissor estrangeiro considera, cumulativamente, a localidade da sede e a localidade dos ativos: de forma geral, os emissores estrangeiros são aqueles com sede no exterior e cujos ativos localizados no Brasil não ultrapassem 50% dos ativos totais[4] da Companhia.

A CVM propõe que o conceito de emissor estrangeiro considere apenas a localidade da sede e o principal mercado de negociação de seus valores mobiliários, possibilitando que, atendidas determinadas condições, um emissor estrangeiro possa emitir um BDR mesmo que possua, preponderantemente, ativos no Brasil. A justificativa da proposta se pauta no seu entendimento de que seria benéfico aos investidores locais contar com a oportunidade de investir em valores mobiliários de outros emissores, assim como facilitar a outros emissores realizar captação no mercado local. Também propõe um ajuste pontual em sentido oposto: o percentual de 50% (ou 65%) passa a considerar não apenas os ativos do emissor, mas também suas receitas[5].
(ii) Aquisição de BDR Nível I por investidores não qualificados: a ICVM 332/2000 prevê que os programas de BDR Patrocinados Nível I são caracterizados, principalmente, pela aquisição exclusiva por empregados da sociedade patrocinadora do programa ou por investidores qualificados[6]. Da mesma forma, os BDRs não patrocinados somente podem ser admitidos à negociação nos moldes dos programas de BDR Patrocinados Nível I.
A Minuta em questão propõe permitir a aquisição de BDR Nível I por qualquer investidor, desde que (a) os valores mobiliários que lhes sirvam de lastro tenham como mercado de maior volume de negociação uma bolsa de valores estrangeira classificada como “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado de valores mobiliários no Brasil, o qual deverá ser aprovado pela CVM; e (b) os emissores dos valores mobiliários que sirvam de lastro aos BDR devem, ainda, estar sujeitos à supervisão da entidade reguladora do mercado de capitais do país em que tiver sede o referido “mercado reconhecido”.

Adicionalmente, propõe que informações aos investidores deverão ser divulgadas em português e atribui o dever dos intermediários de verificação da compatibilidade do investimento em BDR com o perfil do investidor, seguindo as normas de suitability, em linha com o disposto na Instrução CVM nº 539 de 13 de novembro de 2013.

(iii) Emissão de BDRs com lastro em cotas de fundos de índice negociados no exterior: considerando que, atualmente, não é permitida a emissão de BDRs com lastro em cotas de fundos de investimento, a CVM pretende introduzir uma flexibilização, permitindo a emissão com lastro em cotas de fundos de índice negociados no exterior. Entende, assim que tais fundos representam uma escolha adequada para adicionar ativos com fatores de risco menos relacionados ao mercado local.

A Minuta adota como referencial a ICVM 332/00 e contém disposições referentes a: (a) funções dos agentes custodiantes e depositários em relação aos BDR, (b) restrição dos países em que as cotas dos fundos sejam custodiadas e negociadas, (c) procedimentos de registro e transferência de programas, dentre outros.

Por outro lado, de modo a evitar assimetrias e tratamento favorecido aos fundos de índice no exterior em relação àqueles presentes no mercado local, a Minuta impõe uma série de restrições contidas na Instrução CVM 359 de 2002 aos fundos estrangeiros em que as cotas sirvam de lastro para o BDR.

Ainda, a Minuta prevê que os BDRs lastreados em cotas de fundos de índice negociadas no exterior poderão ser adquiridos por investidores não qualificados, desde que cumpridos requisitos similares aos previstos para aquisição de BDRs lastreados em valores mobiliários emitidos por companhias abertas ou assemelhadas.

(iv) Emissão de BDRs lastreados em valores mobiliários diversos de ações: a Minuta propõe alterações em diversas Instruções da CVM, de modo que o lastro dos BDRs não fique restrito a ações, mas a quaisquer valores mobiliários. Ademais, a Minuta possibilita que emissores estrangeiros obtenham registro perante a CVM na categoria B.

Com tais medidas, a CVM espera eliminar impedimentos de cunho formal e objetivo à emissão de BDRs lastreados em valores mobiliários representativos de dívida.

As alterações propostas, têm por objetivo, no entendimento da CVM, conferir maior flexibilidade aos investimentos em BDRs, facilitando aos investidores brasileiros acesso a uma gama de investimentos diversificados. A CVM também espera que as regras propostas fomentem a oferta de produtos com tais características a investidores brasileiros.

O prazo para recebimento de comentários e sugestões de aperfeiçoamento da Minuta encerrou-se em 28 de fevereiro, após prorrogação no início do mês passado.

Luiza Rangel de Moraes, sócia (lrangel@bocater.com.br)
Veronica A. Reade Carneiro da Cunha, advogada associada (vreade@bocater.com.br)
Daniel Chedier Barreira Maurell, trainee (dmaurell@bocater.com.br)
Briza Braga, estagiária (bbraga@bocater.com.br)
[1] Na prática, a emissão de BDRs possibilita aos investidores brasileiros diversificar seus portfolios, investindo em companhias estrangeiras, tendo em vista que ações de companhias estrangeiras não podem ser diretamente negociadas no mercado brasileiro. Através dos certificados emitidos pelas instituições depositárias, são gerados recibos de valores mobiliários – atrelados aos valores mobiliários estrangeiros sob custódia no país de origem – que podem ser comercializados no mercado de balcão brasileiro.
[2] Considera-se patrocinado o programa de BDR instituído por uma única instituição depositária, contratada pela própria companhia emissora dos valores mobiliários objeto do certificado. Empresa patrocinadora é a companhia aberta, ou assemelhada, com sede no exterior, emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, e que esteja sujeita à supervisão e fiscalização de entidade ou órgão similar à CVM.
[3] Fonte: https://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/valores_mobiliarios/recibos_acoes.html
[4] Em caráter excepcional, esse percentual pode ser elevado a 65% no contexto de uma oferta pública subsequente de distribuição de BDR (art. 1º do Anexo 32-I da Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009).
[5] De acordo com a CVM: “Esta mudança decorre da percepção de que a localização dos ativos vem se tornando uma métrica menos apurada para a delimitação geográfica das atividades dos emissores em um contexto em que a prestação de serviços tem crescentemente mostrado maior relevância econômica.”
[6] “Art. 3º Poderão ser instituídos programas de BDRs, patrocinados ou não pela companhia aberta, ou assemelhada, emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, os quais deverão ser previamente registrados na CVM.
[…]
§1º O programa de BDR patrocinado caracteriza-se por ser instituído por uma única instituição depositária, contratada pela companhia emissora dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, podendo ser classificado nos seguintes níveis:
I – BDR Patrocinado Nível I – caracteriza-se por:
[…]
d) aquisição exclusiva por:
1. investidores qualificados, conforme definido em regulamentação específica; e
2. empregados da empresa patrocinadora ou de outra empresa integrante do mesmo grupo econômico;”

Autores

Luiza Rangel de Moraes, Daniel Chedier Barreira Maurell, e Briza Braga

Área de atuação

Mercado de Capitais

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