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CVM abre audiência pública para alterar regulação das Ofertas Públicas por meio de Crowdfunding

Em 26 de março deste ano, a CVM divulgou o edital de Audiência Pública SDM nº 02/20, contendo Minuta de Instrução que visa a alterar disposições da Instrução CVM nº 588 de 13 de julho de 2017, sobre ofertas públicas com dispensa de registro, por meio de plataforma eletrônica de investimento coletivo, também denominada crowdfunding de investimentos. O prazo fixado para comentários e sugestões finda em 24 de junho de 2020.

Atenta à difusão desta modalidade de oferta pública, nos últimos anos[1], a CVM pretendeu, com a proposta de revisão da atual regulamentação, fomentar este segmento do mercado para que um número maior de sociedades empresárias de pequeno porte possa se beneficiar da referida modalidade de investimento.

Ao mesmo tempo, pretende mitigar as fragilidades observadas ao longo dos últimos dois anos, relativamente ao funcionamento das ofertas por meio de Crowdfunding.

Foram apresentados, como principais aspectos para exames e debates na Audiência Pública, 6 tópicos contemplados na Minuta: (i) expansão dos limites; (ii) expansão das possibilidades de divulgação da oferta; (iii) proteção dos investidores; (iv) aprimoramento de mecanismos operacionais da oferta; (v) possibilidade de intermediação secundária através da própria plataforma; e (vi) os ritos para obtenção do respectivo registro das plataformas.

Expansão dos Limites para Dispensa de Registro

A oferta pública realizada por meio de Crowdfunding é dispensada de registro na CVM, observados os limites estabelecidos na ICVM 588. Considerando que essa dispensa traz maior celeridade, simplifica e reduz os custos da oferta, a Minuta prevê a expansão dos 3 limites previstos pela ICVM 588: (i) aumento do limite máximo de captação de R$5 milhões para R$10 milhões, por projeto apresentado na respectiva plataforma; (ii) aumento do valor máximo de receita bruta anual da ofertante, de R$10 milhões para R$30 milhões; e (iii) elevação do limite anual de investimento individual, de R$10 mil para R$20 mil[2].

A medida proposta pela CVM estimula o mercado, mas não afasta o acompanhamento contínuo das ofertas públicas de Crowdfunding, de modo a identificar e mitigar possíveis problemas, capazes de abalar a confiabilidade do investimento e de gerar prejuízos aos investidores.

Divulgação da Oferta

Visando à flexibilização das atuais regras regulamentares, a Minuta traz normas que permitem a divulgação da oferta fora da plataforma utilizada, inclusive com a utilização de material publicitário, possibilitando a maior divulgação sobre aspectos da oferta e do emissor, que despertem o interesse dos investidores.

Paralelamente, define parâmetros de conteúdo das informações, com o devido direcionamento para página na internet, contendo as informações essenciais da oferta[3]. Um ponto de destaque é a previsão da possibilidade de divulgação dos riscos apenas na página da internet.

Quanto a este tópico, a Minuta reforça, no § 3º do art. 11, as restrições relacionadas à divulgação das informações essenciais da oferta por meio de outras páginas na internet que não a da própria plataforma.

A justificativa para a adoção da regra é a garantia de que tal atividade seja exercida, exclusivamente, por plataformas autorizadas pela Autarquia, nos termos da Instrução CVM n° 543, de 2013.

Proteção aos Investidores

A Minuta traz proposta de medidas restritivas, com a finalidade de conferir maior segurança ao investidor, adotando três linhas de ação: (i) aumento da segurança associada à titularidade do valor mobiliário ofertado, estabelece a obrigatoriedade de escrituração[4]; (ii) incremento da estrutura das plataformas; e (iii) aprimoramento do regime informacional dos valores mobiliários ofertados e dos riscos a ele associados, incluindo a obrigatoriedade de auditoria das demonstrações financeiras dos emissores que ultrapassem o valor de R$ 5 milhões de receita bruta anual.

 

A Minuta reflete regras que atendam à preocupação da CVM com uma possível falta de estrutura compatível com o exercício da atividade regulada.

De modo a endereçar tal preocupação, a Minuta propõe: (i) aumentar o valor do capital social mínimo para que as plataformas pleiteiem o seu registro junto à CVM, de R$100 mil para R$200 mil; e (ii) exigir um profissional voltado para a atividade de controles internos, a partir do momento em que o somatório das captações realizadas pela plataforma atingir o valor de R$15 milhões, em um mesmo exercício social.

Aprimoramento de Mecanismos para Realização da Oferta

A Minuta apresentada pela CVM parte do entendimento de que é oportuno aprimorar os mecanismos operacionais a serem adotados pelas plataformas durante a oferta. Neste intuito, foi proposto: (i) o fim da limitação no que se refere ao uso dos recursos captados para operações societárias; (ii) a possibilidade de lote adicional para atender à demanda em determinada emissão; (iii) a possibilidade de ofertas secundárias, desde que limitadas a 20% do valor alvo máximo da oferta; (iv) a possibilidade de alteração das informações essenciais da oferta após o seu início, em situações excepcionais; e (v) a possibilidade dos valores captados transitarem por meio das contas da plataforma, caso estas atuem como instituições de pagamento, conforme regulamentação do Banco Central.

Intermediação Secundária

Nos termos vigentes da ICVM 588, é vedada a negociação secundária dos valores ofertados via Crowdfunding.

No intuito de incentivar o mercado secundário destas ofertas, a Minuta propõe que as plataformas possam atuar na intermediação de transações entre investidores que tenham participado de uma ou mais ofertas do mesmo emissor. Dessa forma, é conferida maior liquidez aos papéis.

Não obstante, a CVM define que, para a intermediação, as plataformas devem atender a certos requisitos, de modo a assegurar: (i) que os valores mobiliários em negociação sejam objeto de escrituração; (ii) a titularidade dos valores mobiliários por parte dos vendedores; (iii) que os compradores adquiriram valores mobiliários do mesmo emissor; (iv) que a entrega do valor mobiliário só ocorra mediante o respectivo pagamento, auxiliando os investidores nos trâmites necessários para sua transferência.

Com a adoção de tal medida, a CVM pretende somente permitir que as plataformas possam intermediar os negócios de empresas que realizaram ofertas em seu ambiente. Além disso, como não está proibida a acumulação de atividades, uma plataforma poderia, em tese, partir para negociar outros valores mobiliários, ingressando em um mercado organizado regulado pela Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007.

Rito de Autorização da Plataforma:

A Minuta propõe a remodelação do regime de autorização das plataformas de Crowdfunding, tendo em vista o disposto no Decreto nº 10.178, de 18 de dezembro de 2019[5], vigente a partir de 6 de abril deste ano.

A proposta consiste, basicamente em (i) aprovação tácita do pedido de registro, caso a CVM não se manifeste em 90 dias da data de solicitação[6]; (ii) alteração do prazo máximo para atos de liberação de atividades econômicas, previsto no Decreto 10.178/19, para 90 dias; e (iii) estipulação de prazo, por parte da Autarquia, para confirmação de todos os documentos necessários, para que ocorra a avaliação do pedido de registro.

Por fim, cumpre salientar a importância desta Audiência Pública e da proposta de aprimoramento da atual regulamentação, que deve ensejar a participação ativa de todos os agentes interessados, trazendo comentários e sugestões.

Consoante bem salientado no Edital de Audiência Pública, a CVM tem em mira “o crescimento do número das plataformas de investimento participativo e a sua aptidão para atuar como um canal de financiamento adicional, útil e eficiente para sociedades empresárias de pequeno porte”.

Comentários e sugestões devem ser encaminhados até 24 de junho para o e-mail: audpublicaSDM0220@cvm.gov.br

Luiza Rangel de Moraes, sócia (lrangel@bocater.com.br)

Daniel Chedier Barreira Maurell, trainee (dmaurell@bocater.com.br)

 

[1] Conforme apontado no Edital da Audiência Pública, as 26 plataformas registradas perante a CVM promoveram, em 2019, 60 ofertas, que atraíram 6.720 investidores e captaram um montante total de R$ 59.043.689,00, representando um aumento de 28% em relação ao ano de 2018 e 71% com relação a 2016, último ano antes da entrada em vigor Instrução CVM nº 588/2017.

 

[2] Caso o investidor possua renda bruta anual ou investimentos financeiros em montante superior a R$ 200 mil, este poderá investir até 10% desses valores, o que for maior.

 

[3] Informações consideradas essenciais: (a) o tipo de valor mobiliário ofertado; (b) os valores alvo mínimo e máximo da captação; (c) eventual valor mínimo de investimento; e (d) breve histórico e descrição das atividades da emissora. Ainda, o material publicitário deve adotar linguagem moderada, não sendo obrigatória a inclusão dos riscos e alertas.

 

[4] A Minuta propõe alteração da Instrução CVM nº 543, de 20 de dezembro de 2013, que dispõe sobre o serviço de escrituração de valores mobiliários, possibilitando a prestação de tal serviço por pessoas jurídicas que não sejam instituições financeiras.

 

[5] O Decreto dispõe sobre os critérios e os procedimentos a serem observados pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional para a classificação do nível de risco de atividade econômica e para fixar o prazo para aprovação tácita do ato público de liberação. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10178.htm>, consulta em 07.05.2020

 

[6] Entretanto, tal prazo poderá ser suspenso em até duas ocasiões, “em função de exigências de documentos e informações adicionais ao requerente, (i) na primeira oportunidade, se houver necessidade de complementação da instrução do pedido de autorização; e (ii) na segunda oportunidade, na hipótese da ocorrência de fato novo durante a instrução do processo”.

 

 

 

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

Área de atuação

Mercado de Capitais

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