Publicações

CARF condena empregador a pagar IRRF sobre aportes a plano de previdência complementar de seus dirigentes

A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e última instância da esfera administrativa, publicou, no último dia 13 de fevereiro, dois acórdãos nos quais analisou a incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre aportes feitos por empregador instituição financeira a planos de previdência complementar de seus diretores.

Como regra geral, aportes de natureza previdenciária são isentos de IRRF, por força do artigo 69 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 (LC 109/2001), que rege o Regime de Previdência Complementar.

No caso em análise, tratava-se de Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ofertado pela instituição financeira apenas ao Presidente do Conselho de Administração, os Conselheiros, Diretores Estatutários, Diretores Técnicos e Assessores da Diretoria Executiva.

Havia duas discussões centrais. A primeira decorrente do fato de que o plano não era ofertado à totalidade dos colaboradores e administradores da empregadora. A CSRF entendeu que essa condição não afastava a natureza previdenciária dos pagamentos, tendo-se seguido o entendimento de que a LC 109/2001 somente determina a “oferta universal” do plano de benefícios complementares quando se trata de regime fechado (a regra do contida no art. 16[1] da LC 109/2001 está na Seção que trata dos planos administrados por entidades fechadas). A decisão afirmou que “no caso de plano de previdência complementar em regime aberto, poderá o empregador eleger como beneficiários grupos de empregados e dirigentes pertencentes a determinada categoria”.

Havia uma segunda discussão. Os Julgadores avaliaram que, apesar de não haver a obrigatoriedade de oferecimento universal do plano, seria necessária aferir a natureza previdenciária ou salarial dos aportes, pois, neste último caso, os valores estariam sujeitos à incidência do IRRF.

Nesse sentido, analisando as evidências do caso concreto, a CSRF concluiu que os valores destinados ao PGBL em questão não possuíam natureza previdenciária, mas remuneratória. Alguns dos aspectos apontados incluem os seguintes fatos:
a.    o comitê de remuneração definia os valores a serem pagos a título de previdência complementar com base, entre outros critérios, em metas de desempenho individual e da empregadora;
b.    os valores destinados como remuneração eram semelhantes aqueles atribuídos ao PGBL em questão (50% / 50%);
c.    a empregadora mantinha plano de previdência complementar fechado disponível à totalidade dos empregados e administradores e, paralelamente, o PGBL em questão, destinado à alta direção;
d.    não havia regras claras quanto à determinação do valor dos pagamentos aportados; e
e.    houve resgate em valores substanciais por parte dos empregados-participantes (e.g., lump lum), sem qualquer carência.
Dessa forma, com base nos elementos apontados, a CSRF julgou no sentido de que os aportes não possuíam os objetivos previdenciários contidos na Lei 109/2001, mas teriam natureza salarial, sujeitando-se, portanto, à incidência do IRRF.

A decisão afirmou que “deve-se compreender que o incentivo de formação de reservas para a concessão de futuros benefícios com a contratação de planos de previdência privada é o que justifica a concessão de isenção tributária”.

O argumento utilizado pelo contribuinte de que o PGBL em questão estava aprovado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e que, portanto, não poderia ter sua natureza previdenciária desconsiderada não foi acolhido pela CSRF. Prevaleceu o entendimento de que a Receita Federal do Brasil (RFB) não está vinculada aos atos emitidos pela SUSEP e que esses não produzem efeitos na esfera tributária.

Houve ainda consequências mais graves. Pela decisão do CARF, os valores de IRRF não recolhidos não devem ser cobrados da empregadora, tendo em vista que, uma vez encerrado o exercício a que a retenção diz respeito, a responsabilidade pelo pagamento passa a ser dos beneficiários do pagamento (empregados e administradores). Entretanto, foi aplicada a multa isolada de 75% sobre o valor do IRRF em face da instituição financeira empregadora, constante do artigo 9º da Lei no 10.426, de 24 de abril de 2002[2].

Podemos perceber que há uma tendência na jurisprudência administrativa de que os julgamentos relacionados à isenção ou não de aportes realizados a plano de previdência complementar dependam fortemente dos aspectos fáticos para se determinar a sua natureza previdenciária ou remuneratória. Por essa razão, é fundamental que as empresas patrocinadoras e os gestores de entidade de previdência (tanto abertas como fechadas) fiquem atentos às orientações do CARF, de modo a mitigar o risco de questionamentos por parte das autoridades fiscais.

Flavio Martines Rodrigues, sócio sênior (frodrigues@bocater.com.br)
Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, sócio (amonteiro@bocater.com.br)
Felipe Thé Freire, advogado associado (ffreire@bocater.com.br)

[1] Confira-se:
Art. 16. Os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores ou associados dos instituidores. § 1o Para os efeitos desta Lei Complementar, são equiparáveis aos empregados e associados a que se refere o caput os gerentes, diretores, conselheiros ocupantes de cargo eletivo e outros dirigentes de patrocinadores e instituidores.
(…)

[2] Confira-se:
Art. 9o  Sujeita-se à multa de que trata o inciso I do caput do art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, duplicada na forma de seu § 1o, quando for o caso, a fonte pagadora obrigada a reter imposto ou contribuição no caso de falta de retenção ou recolhimento, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
Parágrafo único.  As multas de que trata este artigo serão calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição que deixar de ser retida ou recolhida, ou que for recolhida após o prazo fixado.

Autores

Flavio Martines Rodrigues, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro e Felipe Thé Freire

Área de atuação

Tributário

Categorias