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TCU faz levantamento de normativos sobre reequilíbrio econômico-financeiro

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O Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão nº 2.135/2023-Plenário, examinou algumas iniciativas de normatização de reequilíbrio econômico-financeiro (REF), bem como as ações adotadas em diversos órgãos da Administração Pública quanto às demandas contratuais de obras públicas, em especial relacionadas aos impactos da Covid-19. É importante ressaltar que o levantamento em questão não está vinculado a concessões ou Parcerias Público-Privadas (PPPs), visto que o estudo foi conduzido com base nos contratos específicos relacionados a obras públicas.

Esse acompanhamento foi realizado na forma de levantamento, modalidade que se funda na competência constitucional da Corte de Contas de fiscalizar os órgãos jurisdicionados (art. 70 da CRFB/88).  Extrai-se do Regimento Interno do TCU[1] que um dos objetivos do levantamento é ser uma ferramenta que visa conhecer os órgãos públicos no que se refere a aspectos contábeis financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais.

A discussão sobre o reequilíbrio econômico advém da imprescindibilidade de distribuir os riscos de maneira equitativa nos contratos entre o Estado e agentes privados, sobretudo em projetos delegados de elevados valores e longa duração, sujeitos a variados eventos. Diante disso, surge a necessidade de conferir dinamismo ao sistema de equilíbrio econômico-financeiro, considerando a natureza incompleta, mutável e interdependente desse ajuste.

Nesse contexto, a Unidade Técnica do TCU não apenas desenvolveu uma abrangente conceituação do arcabouço normativo e doutrinário relativo ao tema, como também realizou uma análise minuciosa dos regulamentos de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro de diversos órgãos, incluindo a Caixa Econômica Federal, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), dentre outros[2].

Na análise, foram considerados os seguintes marcadores: (i) o período da edição da norma, ou seja, se ela foi editada antes ou depois da pandemia; (ii) o marco temporal adotado, ou seja, se é apenas para o período da pandemia ou para qualquer momento; (iii) se a norma vale para todos os insumos ou somente para asfalto; (iv) como é medido o impacto no contrato, ou seja, a metodologia empregada; (v) quais foram os referenciais comparativos elegidos pela norma; (vi) se o REF tem efeito ex nunc (a partir do pleito) ou ex tunc (desde o fato gerador); e, (vii) como é possível ao administrado demonstrar o impacto capaz de gerar o direito ao reequilíbrio.

Diante das informações compiladas pelo Tribunal, evidenciou-se a ausência de um conjunto único e abrangente de normas no âmbito do Poder Executivo em relação ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas.

Embora o julgamento em questão não apresente uma demanda expressiva por pedidos de reequilíbrio econômico contratual, a discussão iniciada pelo TCU destaca o papel regulamentador da Administração Pública. Sendo crucial assegurar estabilidade aos contratos de obras públicas que eventualmente necessitem desse recurso, os entes públicos, ao exercerem o seu dever de regulamentação, devem preencher lacunas legais no processo de reequilíbrio e estabelecer normativos que detalhem e padronizem os procedimentos, proporcionando maior segurança jurídica.

Em seu voto, o ministro relator, Benjamin Zymler, destacou as particularidades normativas que puderam ser constatadas à luz do levantamento feito.

Em relação à forma de caracterização da onerosidade excessiva, o ministro indicou que alguns normativos não apontam qual o critério; outros focam nos riscos; outros consideram caracterização apenas quando o desequilíbrio supere a rubrica de lucro prevista na taxa de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI)[3]; e, ainda, alguns determinam percentuais desse lucro. Na visão do relator, a jurisprudência do TCU caminha para definir como parâmetro prioritário o emprego da taxa de lucro constante no BDI[4].

No que diz respeito ao efeito financeiro do REF, indicou que as normas devem estabelecer a distinção entre sua aplicação ex nunc ou ex tunc. Como ressaltado pelo relator, a proximidade entre o pedido e o fato gerador reduz significativamente a incidência de problemas na análise do marco temporal. No entanto, indicou ser notável que muitas empresas apresentam solicitações de REF anos após a ocorrência do fato gerador.

Nessa linha de raciocínio, a posição do relator foi clara: os efeitos devem ser ex nunc, caso o pedido seja apresentado de forma contemporânea ao evento de desequilíbrio. Neste ponto, indicou não negar que possa eventualmente haver a retroação sobre serviços já executados e liquidados, indicando haver normatizações próprias, como, por exemplo, a Resolução nº 13/2021 do DNIT, que preveem o pagamento do REF sob serviços já executados com abrangência especificamente definida no normativo.

No entanto, o ministro alegou que o procedimento de cálculo do reequilíbrio deve ocorrer sobre o saldo dos serviços não executados no momento do fato gerador. Por exemplo, não cabe pleito de desequilíbrio quando, após a ocorrência do fato gerador, a empresa presta o serviço e recebe os pagamentos sem qualquer ressalva. Segundo Zymler, essa hipótese violaria a segurança jurídica, a boa-fé objetiva e a vedação a comportamentos contraditórios.

Com relação à variação dos preços dos insumos, o levantamento demonstrou que o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção civil (Sinapi) pode não ter os refletido com exatidão e tempestividade tais mudanças, mas houve similaridade entre o comportamento do custo por metro quadrado de construção medido pelo IBGE e o captado por diversos outros índices de inflação, tais como o INCC e o IGP-DI. Por isso, o relator defendeu que a variação de custos unitários dos serviços da planilha contratual, por meio das tabelas Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro) e Sinapi, podem servir como referencial ao cálculo do REF[5].

Ainda, o ministro relator indicou que dois tópicos que julga relevantes para a temática não foram tabulados pelo TCU: (i) a manutenção ou não do desconto ofertado na licitação; e, (ii) se a manutenção do desconto deveria ser exigida para cada preço unitário ou para o valor global do contrato.

Por fim, o relator refletiu se caberia ao TCU elaborar um normativo próprio sobre o cálculo de REF ou firmar entendimentos e expedir recomendações aos seus jurisdicionados. Alegou que, por mais que entenda haver relevância na temática passível de atrair o interesse do Tribunal em seguir seu papel orientativo e sistêmico, era necessário um “exercício de autocontenção”, pois não há metodologia única a ser utilizada. Ou seja, defendeu que os pleitos precisam ser analisados conforme a situação específica de cada contrato.

Considerando o atual cenário de maior flexibilidade do Direito Administrativo, marcado pelos métodos consensuais de resolução de conflitos, exemplificado pela criação da SecexConsenso[6], o relator ressaltou que muitas questões podem ser resolvidas diretamente com os órgãos competentes, antes mesmo de chegarem ao TCU, em uma gestão mais ágil e eficiente das demandas contratuais. Essa posição foi endossada pelo ministro presidente do Tribunal, Bruno Dantas, que destacou o potencial dos acordos que podem ser realizados entre a Administração Pública e os administrados.

Dessa forma, embora tenham sido feitas sugestões pertinentes ao tema, a Corte de Contas buscou não interferir nas iniciativas normativas dos órgãos envolvidos, não tendo emanado nenhuma recomendação ou sugestão. Apenas determinou o encaminhamento do trabalho realizado pelo TCU aos órgãos interessados que tiveram suas normas analisadas.

O trabalho realizado pelo TCU nesse levantamento, então, assume quase um caráter orientador e informativo, respeitando a esfera discricionária dos órgãos da Administração Pública. Dessa forma, o Tribunal estabeleceu uma relação dialética com os órgãos sob sua jurisdição, contribuindo de forma construtiva para o aprimoramento das práticas normativas.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados seguirá acompanhando o tema do reequilíbrio dos contratos administrativos, bem como a atuação do Tribunal de Contas da União, e se coloca à disposição para esclarecimentos.

 

[1] Art. 238 do R/TCU: Levantamento é o instrumento de fiscalização utilizado pelo Tribunal para: I – conhecer a organização e o funcionamento dos órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional dos Poderes da União, incluindo fundos e demais instituições que lhe sejam jurisdicionadas, assim como dos sistemas, programas, projetos e atividades governamentais no que se refere aos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais; II – identificar objetos e instrumentos de fiscalização; e III – avaliar a viabilidade da realização de fiscalizações.
[2] Foram analisados, ainda, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR); Ministério das Cidades (MCid). Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Também foram coletados dados junto ao Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop) e à Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
[3]  Conforme o art. 2° do Decreto Federal n° 7983, de 8 de abril de 2013: “V – benefícios e despesas indiretas – BDI – valor percentual que incide sobre o custo global de referência para realização da obra ou serviço de engenharia; VI – preço global de referência – valor do custo global de referência acrescido do percentual correspondente ao BDI.”
[4] Nesse sentido, o Relator citou os Acórdãos 1.604/2015-Plenário; 4.072/2020-Plenário;1.905/2020-Plenário; 8.032/2023-1ª Câmara.
[5] Conforme o art. 4° do Decreto Federal n° 7983, de 8 de abril de 2013: “O custo global de referência dos serviços e obras de infraestrutura de transportes será obtido a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais aos seus correspondentes nos custos unitários de referência do Sistema de Custos Referenciais de Obras – Sicro, cuja manutenção e divulgação caberá ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de infraestrutura de transportes.”
[6] Criada por meio da Instrução Normativa TCU nº 91/2022.

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