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Novo Marco das Ferrovias: principais mudanças e desafios

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Já há algum tempo uma das prioridades do Ministério da Infraestrutura é a aprovação de um novo Marco Legal para as Ferrovias, com objetivo de atrair investimentos privados para o setor e expandir a malha ferroviária do país. Como notado em Informativo anterior, já havia a intenção de estimular a apreciação da matéria pelo Poder Legislativo por meio da edição de uma Medida Provisória (MP). Assim, no dia 30 de agosto desse ano, foi publicada a Medida Provisória nº 1.065/21, cuja vigência foi prorrogada pelo presidente do Senado na noite do dia 28 de outubro.

Dentre os pontos centrais de inovação da Medida Provisória, destaca-se a instituição de um Programa de Autorizações Ferroviárias, previsto já em seu art. 1º. Para além dos regimes jurídicos de concessão e permissão, fica prevista também a autorização de exploração indireta do serviço de transporte ferroviário. Esse regime diferencia-se pelo menor grau de formalismo para sua instituição, em especial pela desnecessidade de licitação.

Pelo texto da MP (especialmente em seu art. 9º), o Ministério da Infraestrutura poderá determinar à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a abertura de chamamento público para identificar e selecionar interessados em obter autorização para explorar esse serviço, no caso de ferrovias (i) não implantadas; (ii) sem operação; (iii) em processo de devolução ou desativação; (iv) outorgadas a empresas estatais, exceto as subconcedidas; ou (v) ociosas. Também são previstos os elementos do contrato de autorização e as possibilidades de extinção (arts. 12 e 13 da MP, com seus dispositivos), notando-se que às autorizatárias são atribuídos os riscos integrais do empreendimento, sem direito, por exemplo, a pleito de reequilíbrio econômico-financeiro (art. 12, §3º da MP).

A MP não é a única tentativa de se criar um novo arcabouço regulatório para o setor. Tramita na Câmara dos Deputados um substitutivo ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 261/2018 justamente com essa finalidade, sendo que o texto já foi aprovado pelos senadores. Dentre as principais inovações desse projeto, tem-se o estabelecimento de princípios da política setorial ferroviária e as diretrizes de sua expansão. Além disso, também se prevê a possibilidade de uso da modalidade de autorização para a construção de novas ferrovias.

Pedidos de autorização em andamento

Como efeito da vigência da MP 1.065/2021, há importante mobilização do mercado para explorar as possibilidades abertas pelo regime de autorizações, mesmo antes da conversão da Medida em Lei ou da aprovação final do PLS nº 261/2018.

Já em julho deste ano, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, havia afirmado que o projeto de extensão da ferrovia Ferronorte até Lucas do Rio Verde (MT) seria o “primeiro” a receber autorização. Após edição da MP, em reunião realizada entre ele e a bancada de senadores do Mato Grosso, foi decidida a assinatura de um convênio em que a competência para essas obras seria delegada ao Governo do Estado.

Em decorrência disso, já no dia 20 de setembro foi assinado pelo governador mato-grossense um contrato de adesão para a construção, implantação e exploração da primeira ferrovia estadual, ligando, por 730 quilômetros, os municípios de Rondonópolis a Cuiabá, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, conectando-se, também, à malha ferroviária nacional ligada ao Porto de Santos (SP). Há uma previsão de investimentos da ordem de R$ 11,2 bilhões para as obras, com a geração de 230 mil empregos durante o tempo de construção, conforme indica site da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística do Governo de Mato Grosso.

Segundo site do governo federal, havia, até o dia 26 de outubro, 21 novos pedidos de autorização para novas ferrovias, o que representava um montante de R$ 83,7 bilhões em investimentos e mais 5,6 mil quilômetros de novos trilhos construídos pela iniciativa privada, com potencial de aumento da malha ferroviária de diversos Estados e Municípios. Os números indicam o apetite do mercado em explorar as novas possibilidades abertas pelas mudanças normativas.

No entanto, isso pode trazer consequências do ponto de vista concorrencial, na medida em que as atuais concessionárias ferroviárias podem vir a ingressar com pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro pelo fato de terem de concorrer com ferrovias operadas sob o regime de autorização. A solução parece ser o ajuste do contrato de concessão ao regime de autorização, o que poderá ocorrer, nos moldes do art. 34 da MP, lido em conjunto com seu §1º e incisos, em casos nos quais (i) um concorrente seja autorizado a ingressar no mesmo mercado; ou (ii) uma autorização houver sido outorgada a pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico da atual administradora ferroviária, de forma a expandir a extensão ou a capacidade ferroviária, no mesmo mercado relevante, em percentual não inferior a 50%.

Procedimento de aprovação das autorizações e suas controvérsias

O processo de aprovação das autorizações solicitadas tem encontrado dificuldades. Dentre os pedidos apresentados até o momento, é considerável o número de empresas concorrentes postulando a construção dos mesmos trechos ferroviários. Para tentar solucionar o problema, foi publicada a Portaria 131/2021, que dispõe sobre os processos administrativos de requerimento para exploração de ferrovias ou pátios ferroviários mediante outorga por autorização.

Ocorre que, pelo art. 9º caput e §1º da Portaria, no caso de mais de um requerimento de autorização ferroviária para a mesma área de influência, a outorga será dada a todos os requerentes, caso haja compatibilidade locacional, ou, em caso de incompatibilidade, será priorizada a outorga de autorização de acordo com a ordem de apresentação da documentação.

Esta última previsão foi questionada no Tribunal de Contas da União (TCU), sob o argumento de que se trata de comando que contraria a previsão da própria MP 1.065/2021, a qual determina a realização de chamamento público para identificar e selecionar interessados na obtenção de autorização para a exploração indireta do serviço de transporte ferroviário federal, sendo o critério de seleção o maior valor ofertado pela outorga.

Ao se pronunciar sobre o tema, o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do caso, indeferiu o pedido de suspensão da análise e do deferimento de autorizações com base no critério cronológico. Ainda assim, teceu críticas quanto à falta de motivação técnica para a escolha por meio do critério cronológico nos casos em que houver incompatibilidade locacional sem solução ou outro motivo técnico que impossibilite a implantação concomitante de duas ou mais ferrovias. Por esse motivo, sinalizou com a possibilidade de adoção de medida cautelar pelo TCU, tendente a suspender a análise ou deferimento de outorgas que utilizem esse critério de escolha.

Para evitar conflitos, o governo publicou, no dia 28 de outubro, uma retificação da portaria, explicitando que o critério cronológico de apresentação da documentação seria utilizado apenas como meio de se estabelecer uma ordem de prioridade de análise dos pedidos, não funcionando como meio de seleção dos futuros autorizatários. Também houve o Projeto de Decreto Legislativo nº 826/2021, em que se propôs que fossem sustados os §§ 1º e 2º do art. 9º da Portaria 131/2021[1].

Trata-se de cenário em que ainda há lacunas relevantes a serem preenchidas antes que as alterações propostas possam atingir seu maior potencial.

A equipe do Bocater Advogados manterá acompanhamento do tema, bem como atualizações sobre a votação do Novo Marco de Ferrovias, permanecendo disponível para eventuais esclarecimentos.

 

[1] Dispõem os dispositivos dos §§ 1º e 2º do art. 9º da Portaria 131/2021:
§ 1º Verificando-se a incompatibilidade locacional ou outro motivo técnico-operacional relevante que impossibilite a implantação concomitante de autorizações citadas no caput, será priorizada a outorga de autorização de acordo com a ordem de apresentação da documentação completa elencada no art. 5º.
§ 2º A priorização de que trata o § 1º não impedirá a continuidade da análise dos requerimentos subsequentes, desde que haja expresso interesse da requerente não priorizada, de forma fundamentada, com solução técnica compatível, nos termos do art. 8º.

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