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STJ entende que uso da Tabela Price não enseja anatocismo em contrato de financiamento imobiliário

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Em decisão monocrática publicada em 1º de fevereiro de 2021, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Maria Isabel Gallotti entendeu pelo provimento ao Recurso Especial nº 951.894/DF, a fim de afastar o entendimento de ilegalidade da utilização da Tabela Price em contrato de financiamento imobiliário celebrado entre participante e entidade fechada de previdência complementar (EFPC).

Em resumo, a ação foi proposta com pedido de revisão de cláusulas contratuais, sob alegação de nulidade decorrente de suposta capitalização de juros pela utilização da Tabela Price.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios negou provimento à Apelação da EFPC para indeferir o pedido de produção de prova pericial, concluindo que a mera utilização da Tabela Price ensejaria a capitalização mensal de juros, o que seria proibido.

Contudo, como bem apontado na decisão da ministra Gallotti, a jurisprudência do STJ se consolidou “no sentido de que havendo discussão acerca da ‘legalidade da utilização da Tabela Price – mesmo que em abstrato’ – será imprescindível facultar-se às partes a prova pericial, não cabendo ao Juiz escolher a seu nuto entre uma teoria matemática ou outra sem valer-se da prova técnica.

 

A posição da ministra foi precisa, ao esclarecer que, “no decorrer da relação contratual, frequentemente o valor da prestação mensal está tão aviltado que não paga sequer a parcela de juros vencidos no período. Nesta hipótese, ocorrerá amortização negativa, com os juros vencidos integrando o saldo devedor, sobre o qual haverá nova incidência de juros. O mesmo sucederá em caso de inadimplência do mutuário. Não sendo pagas as prestações, os juros e a correção monetária serão incorporados ao saldo devedor, sobre o qual incidirão novos juros”.

Nesse cenário, apontou a decisão do STJ, “nem todo o valor da amortização negativa resultará na incorporação de juros vencidos e não pagos ao capital, pois é possível que nem o valor da correção monetária seja quitado pela prestação mensal. Neste caso, não constituirá anatocismo a incidência de juros sobre a correção monetária não paga incorporada ao saldo devedor”.

 

Em conclusão, a ministra Isabel Gallotti afirmou que “a amortização negativa não é, pois, consequência do mero emprego da fórmula Tabela Price, mas do descompasso entre a correção do encargo mensal e do saldo devedor, ou da inadimplência do mutuário ou de ambos os motivos”.

 

A discussão tem relevância no ambiente das EFPC e demanda atenção por parte dos seus operadores de direito e gestores, pois as operações financeiras realizadas entre EFPC e participantes guardam importante finalidade para capitalização das reservas garantidoras no regime de previdência complementar e são fortemente positivas para os participantes ativos e assistidos.

Especificamente no caso do financiamento imobiliário, o participante tem oportunidade de realizar a contratação para aquisição de bem imóvel junto à EFPC com juros inferiores ao mercado bancário. Por sua vez, a entidade de previdência aufere a capitalização das reservas garantidoras dos planos, observando os parâmetros mínimos de rentabilidade dentro de uma das modalidades de investimento previstos pela Resolução CMN 4.661/2018, com a segurança de pagamento via descontos em folha (do patrocinador, para os participantes ativos, e da própria EFPC, para os participantes assistidos).

A interferência do Poder Judiciário em contratos dessa natureza, portanto, deve ser acompanhada de critérios técnicos devidamente estabelecidos pela realização de prova pericial. Com efeito, a Tabela Price não gera automaticamente a ocorrência de anatocismo e, portanto, não deve ser substituída por outro método de amortização quando não há constatação da cobrança de juros sobre juros, sob pena de comprometer a solvabilidade do plano e, por consequência, os interesses de milhares de participantes ativos, assistidos (aposentados) e pensionistas, comumente idosos, menores e inválidos.

Pedro Diniz da Silva Oliveira, advogado (poliveira@bocater.com.br)

Filipe Martins Souza, advogado (fsouza@bocater.com.br)

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