Boletim Bocater

Os 20 anos das Leis Complementares que regulamentam a previdência privada

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A Emenda Constitucional n° 20, promulgada em 1998, foi responsável pela primeira Emenda da Reforma da Previdência Social após a Constituição Federal (CF) de 1988. Esta Emenda, além de tratar da previdência pública, representada pelos regimes próprios e o regime geral de previdência social, trouxe um novo norte para os regimes de previdência complementar, adaptando-os às mudanças nos sistemas sociais, demográficos, econômicos e, especialmente, trabalhista, trazidas pela Constituição.

Adotando como parâmetro o artigo 202 da CF, introduzido pela Emenda 20/1998, foram editadas as Leis Complementares 108 e 109, em 29 de maio de 2001, que regulamentam o regime da previdência privada e comemoram agora duas décadas.
Neste artigo vamos focar nas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), mais conhecidas como fundos de pensão.

Tais Leis Complementares alteraram substancialmente o enfoque do regime de previdência complementar (RPC). Até então voltado para as entidades, passou a ter como foco central os planos de benefícios oferecidos aos participantes, que mantêm independência em relação aos demais planos e à própria Entidade, embora não desfrutem de capacidade jurídica independente.

As novas normas proporcionaram uma transformação imediata, pois a gestão da entidade e o acompanhamento dos órgãos de regulação e de fiscalização passaram a ter a dimensão exata dos requisitos necessários para que o plano de benefícios cumprisse o seu papel de garantir o “benefício contratado”, como preconiza o caput do art. 202 do Constituição.
Há, a partir das Leis Complementares, um novo modelo de governança, em que os participantes, os verdadeiros donos dos recursos capitalizadas nas EFPC, participam da gestão dos fundos de pensão, sendo esta participação paritária naquelas entidades cujo custeio é, necessariamente, paritário.

Buscando elencar os principais avanços que se pôde observar com a edição das referidas leis complementares, trazemos aqui um retrospecto do que contribuiu para o aperfeiçoamento do RPC e o que demandou anos de discussão até se obter um posicionamento dos órgãos de controle – patronais e das entidades fechadas −, conferindo maior segurança jurídica para este seguimento.

Primeiramente, terão contribuído definitivamente para o aperfeiçoamento da gestão das EFPC as medidas de democratização da gestão, com a inserção dos participantes nos seus órgãos superiores. A governança das entidades sofreu um impacto positivo difícil de dimensionar, com a capacitação e a maior participação dos interessados em uma gestão profissional. Pode-se alinhar neste mesmo tópico as informações (e aqui em seu sentido lato) a serem, periodicamente, prestadas pertinentes aos respectivos planos de benefícios.

A aplicação dos recursos correspondentes às reservas técnicas foi o tema que, sob o nosso ponto de vista, observou o maior aperfeiçoamento. Nesses vinte anos, em nenhum momento foi desconsiderado que as EFPC precisavam, e ainda precisam, aperfeiçoar a sua capacidade de produzir retornos financeiros para cumprir seus compromissos. É nessa capacitação que a poupança previdenciária deposita os seus maiores esforços para superar os desafios de pagar benefícios apesar da imprevisibilidade das economias mundiais, o que não é diferente no Brasil.

O plano de custeio e o tratamento de déficits e superávits foram corretamente tratados na regulação após a edição das Leis Complementares, trazendo um componente de justiça social. Os participantes devem suportar o custo do seu benefício, seja com a participação do seu empregador ou por meio de sua poupança individual.

Para esta última forma de acumulação de recursos, a disponibilização de planos instituídos é fonte de modernização, há muito requerida. Inicialmente, esses planos pareciam frustrar seus participantes, talvez pela novidade, mas hoje são um sucesso comprovado em várias EFPC.

Cabe referir um ponto de modernização que somente agora, 20 anos após as Leis Complementares, está efetivamente se concretizando na dimensão inicialmente pretendida: o oferecimento de planos de benefícios complementares para os servidores públicos, especialmente os titulares de cargo efetivo, vinculados aos regimes próprios dos entes federativos.
É necessário, no entanto, discutir temas que mereceram um esforço interpretativo para serem adequadamente aplicados – o que revela, infelizmente, um certo grau de fragilidade das Leis Complementares.

O primeiro tema que demandou uma longa discussão, por não estar adequadamente definido, foi a paridade contributiva para os planos oferecidos por órgãos da administração pública, aí incluída a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, as autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas. Até hoje, há interpretações divergentes sobre este tema.

Nessa mesma linha, o custeio administrativo das EFPC demandou longos anos e várias interpretações no decorrer do tempo, até que, atualmente, parece pacificado no âmbito dos órgãos de regulação e fiscalização das EFPC.

A autonomia do Regime de Previdência Complementar em relação à Justiça do trabalho, aplicável aos patrocinadores/empregadores, em que pese dispositivo expresso na Lei Complementar 109/2001, somente veio a ser reconhecida pelo Poder Judiciário em 2013, em julgamento ocorrido no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), com efeitos de repercussão geral. Mesmo assim, ainda são comuns as discussões sobre a competência para julgamento das questões relativas aos planos patrocinados.

Com relação à questão tributária, há carência de aperfeiçoamento, independente do caminho percorrido desde então, que não se revela como eficiente atrativo para o incremento da poupança previdenciária. Este assunto tem sido objeto de renovados esforços para uma legislação que seja fomentadora da poupança previdenciária.

Podemos fixar o marco da década de 1970 como o início do grande crescimento do RPC em nosso país. Desde então, as EFPC continuam, em sua ampla maioria, a proporcionar o pagamento de benefícios regulares a seus assistidos. Em nossa visão, o resultado final é, portanto, extremamente positivo e as Leis Complementares 108 e 109 têm sido, nesses últimos 20 anos, um instrumento essencial de proteção desse regime previsional, que guarda a maior poupança nacional de longo prazo.

Flavio Martins Rodrigues, sócio sênior (frodrigues@bocater.com.br)
Andrea Neubarth Corrêa, consultora sênior (acorrea@bocater.com.br)

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