No dia 13 de julho de 2021 a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução nº 39, dispondo, de forma temporária e em caráter experimental, sobre o registro do Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro).
A regulamentação da autarquia vem em linha com a Lei nº 14.130, publicada em 29 de março de 2021, que alterou a Lei n° 8.668, de 25 de junho de 1993,[1] e instituiu o Fiagro. De acordo com a Lei n° 8.668/93,[2] os ativos elegíveis às carteiras dos Fiagro são: (i) imóveis rurais; (ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial; (iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia produtiva agroindustrial; (iv) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios; (v) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios; (vi) cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos ativos referidos nos incisos “i”, “ii”, “iii”, “iv” e “v” acima.
O registro de Fiagro se dará de maneira experimental e temporária, aproveitando a atual regulamentação de fundos de investimento estruturados já editada pela CVM. Isso porque a autarquia irá editar uma resolução específica para Fiagro no futuro, mas como será necessária a realização de audiência pública e estudos prévios, optou-se por possibilitar a constituição desses fundos temporariamente.[3] A CVM tem a expectativa de que a experiência com os Fiagro que vierem a ser registrados possibilitará o conhecimento do regulador e dos participantes do mercado sobre esses fundos, elementos que poderão ser úteis quando da elaboração da norma específica.
O funcionamento de cada Fiagro dependerá de registro prévio na CVM, mediante pedido do seu administrador, na categoria de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fiagro-Direitos Creditórios), Fundo de Investimento Imobiliário (Fiagro-Imobiliário) ou Fundo de Investimento em Participações (Fiagro-Participações), aplicando-se as normas específicas das referidas categorias de fundos de investimentos (as vigentes Instruções CVM nos 356/01, 472/08 e 578/16, respectivamente), bem como as regras gerais de fundos de investimento, ora previstas na Instrução CVM nº 555/14. Importante notar que, atualmente, essas Instruções são objeto de audiência pública, que tem como objetivo a construção de um arcabouço geral, a ser aplicável a todas as categorias de fundos de investimento, com Anexos Normativos que tratam das especificidades de cada categoria.
Em linha com o disposto na Lei n° 8.668/93, a Resolução permite que o Fiagro-Imobiliário invista em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). Por outro lado, a Resolução veda o registro de Fiagro-Direitos Creditórios na categoria de fundo de investimento em direitos creditórios não padronizados, o que aparentemente não impede, por exemplo, a aplicação do Fiagro-Direitos Creditórios em cotas de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados, desde que estes apliquem mais de 50% de seu patrimônio em direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios, inclusive CRA, o que contudo pode vir a ter um entendimento mais restritivo por parte da CVM, com vistas a limitar o risco da carteira neste momento preliminar da regulamentação experimental aplicável aos veículos de investimento.[4]
Conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o financiamento do crédito rural na safra 2020/2021 (julho de 2020 a junho de 2021)[5] foi de R$ 271,6 bilhões (incluindo CPR’s e operações com agroindústria), sendo que a participação dos bancos públicos correspondeu a 55% desse valor. Espera-se que o Fiagro fomente ainda mais o sistema de financiamento privado ao setor do agronegócio, servindo como uma fonte alternativa de recursos[6] a um dos mais relevantes segmentos de atuação da economia nacional.
A Resolução CVM nº 39 entrará em vigor no dia 1º de agosto de 2021, podendo ser acessada aqui.
Jaques Wurman, sócio (jwurman@bocater.com.br)
Maurício Gobbi dos Santos, advogado (msantos@bocater.com.br)
Luiz Matheus Tavares Pompeu, estagiário (lpompeu@bocater.com.br)
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[1] Assim, a lei, além de tratar dos Fundos de Investimentos de Imobiliários, passa a disciplinar tais fundos de investimentos destinados a aplicar em ativos relacionados à cadeia produtiva agroindustrial.
[2] Vide Art. 20-A da lei.
[3] Conforme o item “d” das considerações da Resolução.
[4] A Lei n° 8.668/93 assim dispõe: “Art. 20-A. São instituídos os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), a serem constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial destinado à aplicação, isolada ou conjuntamente, em: (…) IV – direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios; V – direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos creditórios, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios; (…)”. (grifos nossos)
Já a Resolução CVM 39, dispõe no art. 2°, §1ª, o seguinte: “Art. 2° (…) § 1º A política de investimentos disposta no regulamento do FIAGRO deve ser plenamente aderente às regras de composição e diversificação de carteira de ativos aplicáveis à categoria na qual o fundo for registrado, observadas, ainda, as regras relacionadas à composição da carteira de ativos dispostas no art. 20-A da Lei nº 8.668, de 1993.” (…)” (grifos nossos)
[5] Conforme dados extraídos em 01/07/2021, sendo que a informação sobre as aquisições de CPR’s e operações com agroindústrias foi disponibilizada até maio de 2021.
[6] Conforme disposto na Justificativa do Projeto de Lei n° 5.191/2020 (que foi convertido na Lei nº 14.130, de 29/03/2021, que alterou a Lei n° 8.668, de 25/06/1993) de autoria do Deputado Arnaldo Jardim e apresentado em 18/11/2020: “É neste contexto que propomos a criação do Fundo de Investimento para o Setor Agropecuário. O objetivo da criação do FIAGRO é disponibilizar ao público investidor um veículo de investimento seguro e flexível, que aproximará o mercado financeiro e de capitais do agronegócio, aumentando sensivelmente o montante de crédito e de recursos para investimentos nesse importante setor da nossa economia.” Disponível em , acesso em 19.07.2021.