Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) nos 586.453 e 583.050 ter expressamente fixado a competência da Justiça Comum para julgar controvérsias relacionadas à previdência complementar, o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca dos limites dessa decisão parece ainda não estar consolidado.
Chamamos a atenção para recente decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, publicada em 18 de fevereiro deste ano, no julgamento de Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 1.242.810[1].
Em síntese, o Ministro havia proferido decisão unipessoal, reconhecendo a competência da Justiça Comum para o julgamento da matéria relativa à previdência complementar, sobretudo em decorrência do entendimento fixado no julgamento do RE 586.453 e 583.050.
Contudo, em sede de Embargos de Declaração opostos sob a alegação de adoção de premissa fática equivocada, o Ministro revisitou este entendimento. A seu ver, o STF teria posicionamento pacífico acerca da competência da Justiça do Trabalho para apreciar pedido de recolhimento de contribuições do patrocinador para o plano de benefícios administrado por entidade fechada de previdência complementar (EFPC).
O entendimento adotado, contudo, parece não estar de acordo com os precedentes do STF acerca do tema.
Não bastasse o entendimento adotado no julgamento do RE 586.453 e 583.050, no qual restou consignado que “a relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista[2]”, o STF proferiu decisões que apontaram para a inquestionável competência da Justiça Comum, inclusive quando a controvérsia diz respeito ao recolhimento de contribuições ao plano de benefícios pelo patrocinador.
Cita-se, a título de exemplo, o acórdão proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.214.923, no qual o Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, consignou: “não há que se falar em competência da Justiça especializada quando a ação se voltar exclusivamente contra o empregador, uma vez que a definição da competência jurisdicional foi posta, pelo Supremo Tribunal Federal, em razão da natureza autônoma da previdência complementar, ainda que o surgimento do contrato de previdência complementar pressuponha a existência de um vínculo trabalhista subjacente.”[3]
Com efeito, se a Justiça do Trabalho não possui competência para julgar as demandas que versam sobre complementação de aposentadoria (conforme definido pelo STF), é certo que essa incompetência irradia para todas as questões relacionadas ao contrato de previdência complementar fechada, inclusive o recolhimento de contribuições pelo patrocinador do plano de benefícios.
Entendimento diverso acaba por estabelecer uma verdadeira incongruência: o simples recolhimento de contribuições pelo empregador, em razão de verbas trabalhistas deferidas em ações movidas por ex-empregados, por si só, não tem o poder de ensejar o recálculo do benefício complementar.
Isso porque o recálculo de um benefício de complementação de aposentadoria exige a análise precisa das regras contidas no estatuto da EFPC e regulamento do plano de benefícios, o denominado “contrato civil-previdenciário”, além da necessária preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de benefícios e, por conseguinte, dos interesses dos participantes, assistidos e beneficiários.
Posição do STJ acerca do tema
Seguindo nessa linha, como noticiamos na Newsletter de Agosto de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia no 1.312.736 – RS (Tema 955), fixou entendimento de que verbas deferidas em reclamações trabalhistas não repercutem no cálculo do benefício de complementação de aposentadoria das EFPC.
A tese fixada pelo STJ definiu que no caso de ato ilícito cometido pelo ex-empregador, o ex-empregado deverá ajuizar ação própria na Justiça do Trabalho para o ressarcimento de “eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido”.
Portanto, à luz dessa tese, não é o caso de determinar o recolhimento de contribuições, na medida em que não haverá a repercussão das verbas trabalhistas deferidas no cálculo do benefício, mas sim de fixar indenização a ser paga pelo ex-empregador ao participante do plano de benefícios, com viés reparatório.
Vale dizer que as decisões trabalhistas, que determinam o recolhimento de contribuições pelo ex-empregador, não vinculam o juízo competente da Justiça Comum, sendo certo que a fixação da competência da Justiça do Trabalho como no caso ora relatado poderá gerar decisões conflitantes.
Conclusão
A decisão unipessoal do STF nos Embargos de Declaração no RE nº 1.242.810 parece reforçar o comportamento daqueles que pretendem, por meios transversos, “escapar” da tese fixada pelo STF no julgamento dos RE 586.453 e 583.050, insistindo na competência da Justiça do Trabalho para questões relacionadas ao contrato civil-previdenciário.
Em nosso entendimento, essa discussão teria sido superada pelo STF, cabendo a preservação do papel pacificador de jurisprudência das Cortes Superiores, em prestígio à estabilidade e segurança jurídica e financeiro-atuarial do sistema de previdência complementar fechado.
Diante do cenário traçado, reafirma-se a necessidade de um pronunciamento definitivo – e com caráter vinculante – da Corte Suprema acerca do alcance da tese fixada no julgamento dos RE 586.453 e 583.050, em prestígio: (i) à autonomia da previdência complementar fechada, “dada explicitamente pela Constituição na redação trazida pela Emenda constitucional nº 20”[4], e (ii) à preservação da autoridade dos precedentes vinculantes, evitando decisões conflitantes entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho.
Fernanda Rosa Silva Milward Carneiro, advogada sênior (frosa@bocater.com.br)
Stéfanie Mazza Ribeiro, advogada (sribeiro@bocater.com.br)
[1] A decisão ainda é passível de recurso, porém até o momento não houve a interposição.
[2] Conforme voto da Relatora Ministra Ellen Gracie.
[3] Recurso Extraordinário nº 1.214.923 – 1ª Turma do STF – Acórdão publicado em 08.10.2019. No mesmo sentido, a decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski no Recurso Extraordinário nº 1.158.573, publicada em 07.11.2018.
[4] Conforme entendimento adotado pelo Ministro Dias Toffoli no julgamento do RE 586.453 e 583.050.