O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, em 09 de dezembro de 2020, a Resolução nº 323, que altera dispositivos da Resolução nº 259, de 2014, e que estabelece procedimentos para constituição, organização e tramitação de processos e documentos relativos à área de controle externo.
A Resolução, aprovada por meio do Acórdão nº 4537/2020, de relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, foi pensada como o propósito de diminuir as demandas a serem apreciadas pelos auditores do TCU, e destaca-se por suas alterações no art. 103 da resolução 259, sobretudo no que alterou o seu §2º[1] e seu inciso III[2]. O resultado disso foi o de conferir ao relator ou ao próprio TCU o poder de não autuar processos de garantia de informações, previstos na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.526/2011 – LAI).
O advento da LAI, como forma de instrumentalizar o direito fundamental à informação previsto no inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal, durante anos conferiu ao TCU a responsabilidade de assegurar a divulgação das informações exigidas ao Poder Público, na forma dos arts. 7º e 8º daquele diploma[3]. Como conteúdos mínimos exigidos ao Poder Público, encontram-se informações sobre competência e estrutura organizacional; repasses e transferência de recursos financeiros; documentos de despesas; procedimentos licitatórios; dados gerais de programas, ações, projetos e obras da entidade (indicadores e metas); atividades exercidas (política, organização e serviços); informação pertinente à administração do patrimônio público; e resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas.
A divulgação dessas informações cumpre dois preceitos constitucionais: (i) assegura o direito de o cidadão ter acesso aos dados relativos à administração da coisa pública; e (ii) atende ao princípio constitucional da publicidade a que se submete a Administração Pública, conforme o art. 37, caput da Constituição Federal. Nesse sentido, a participação do TCU no controle externo da adequação à LAI cumpre importante papel na verificação mais rápida de irregularidades na divulgação de informações, o que mitiga a morosidade e custo que o cidadão enfrentaria caso fosse recorrer ao Poder Judiciário para buscar acesso a um dado.
Com a renúncia da atribuição de autuar processos que versem sobre a garantia da transparência de informações, a depender do juízo do relator do caso ou do próprio Tribunal, a sociedade civil perde parte da capacidade de exercer efetivo controle social.
A justificativa para a aprovação da resolução, com alterações sugeridas pela presidência do TCU, a partir de representação da Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex) e redação final elaborada pelo Ministro Relator Raimundo Carreiro, é a racionalização e otimização dos trabalhos do Tribunal de Contas de União, que se encontra sobrecarregado por demandas e padece com o déficit de auditores. Nesse caso, a tendência que se apresenta é a do aumento da filtragem dos casos a serem apreciados pelo órgão, ao passo em que se impõe dificuldades ao jurisdicionado.
Com a resolução, os documentos a que se referem a nova redação do inciso III do §2º do art. 103 da Resolução nº 259/2014 serão encaminhados pela unidade responsável pela gestão de processos à unidade técnica que avaliará a pertinência da autuação.[4]
A situação parece indicar um dilema gerado pelo vultoso conjunto de demandas direcionadas ao Tribunal de Contas de União. O órgão, que vem ganhando protagonismo na função de supervisor geral da Administração Pública, superando o paradigma de mero auxiliar externo do Congresso Nacional, nota uma perda de eficiência por sobrecarga. Como forma de atenuar o problema, o Tribunal está selecionando casos de prioridade em detrimento de outros, como, no caso, os relacionados à LAI.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando os desdobramentos do tema e as tendências decisórias do Tribunal de Contas da União, que manifesta inclinação em focar sua atuação em outras questões mais decisivas que não aquelas relacionadas ao acesso às informações.
Fernando Ferreira, advogado (fferreira@bocater.com.br)
Paulo Eduardo Rocha, estagiário (procha@bocater.com.br)
- §2º da Resolução nº 259/2014, com nova redação dada pela Resolução nº 323/2020 do TCU: “Não serão autuados como denúncias ou representações, salvo expressa e justificada determinação do relator ou do TCU, documentos que:”
2. Com a seguinte redação: “III – requeiram a atuação do TCU para assegurar a transparência ativa de informações de jurisdicionados, nos termos da Lei nº 12.527/2011;”
3. Conforme Portaria 123/2012 do TCU, a Ouvidoria do TCU é responsável pelo recebimento, triagem, classificação, distribuição e o atendimento de manifestações e solicitações de aceso à informação (arts. 1º e 5º). Nos termos do art. 33, I da mesma normativa: “Art. 33. Ao término dos exames preliminares, se constatados indícios de irregularidades passíveis de fiscalização pelo TCU, atendidos os critérios de relevância, materialidade, risco e interesse social, a unidade responsável poderá: I – formular representação ao relator acerca da irregularidade, com a respectiva proposta de encaminhamento; ou”, caracterizando a hipótese de representação. A denúncia pode ocorrer, se do interesse do manifestante, nos moldes do Parágrafo único do art. 31 da mesma portaria: “Art. 31. As comunicações de irregularidades externas recebidas pela Ouvidoria serão encaminhadas à unidade técnica competente. Parágrafo único. As comunicações que preencham os requisitos previstos nos arts. 234 a 236 do Regimento Interno do TCU não serão autuadas pela unidade competente como denúncia, exceto se o manifestante assim o desejar.” Com o novo entendimento, não haverá autuação em denúncias ou representações que versem sobre a transparência ativa, que consiste na divulgação de informações pela própria iniciativa do órgão público, salvo expressa e justificada manifestação do relator ou do Tribunal.
4. Conforme redação do §4º acrescentado ao art. 103 da resolução anterior: “§ 4º Os documentos a que se referem os incisos I, III, IV, IX e X serão encaminhados pela unidade responsável pela gestão de processos à unidade técnica pertinente para avaliação da necessidade de autuação nos termos do caput.”