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Expectativas no setor ferroviário brasileiro: no trilho de mudanças

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Durante os últimos meses, foi ampliado o debate sobre a possibilidade de construção de novas ferrovias por meio de autorização pelo Poder Público. Além da realização de leilões como da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol), em abril, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) divulgou novas resoluções que demonstram possíveis novos rumos para a regulação do setor.

O tema se associa a um contexto de maior atenção ao setor ferroviário brasileiro como estratégia de desenvolvimento, propulsionado por atuações normativas, regulatórias e investimentos governamentais.

Atuação da ANTT

No mês de junho, o setor ferroviário já havia recebido novas e relevantes resoluções editadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), demonstrando interesse em novos rumos para a regulação do setor.

Resolução nº 5.942/2021, por exemplo, revogou diversas resoluções e comunicados anteriores, abrindo margem para novas medidas regulatórias. Uma dessas novas medidas é a Resolução nº 5.943/2021 que trata das operações de direito de passagem e de tráfego mútuo no Subsistema Ferroviário Federal.

Outra é a Resolução nº 5.944/2021, na qual se aborda a prestação do transporte ferroviário de cargas aos usuários, trazendo importantes definições, direitos, deveres e o próprio conceito de usuário (art. 2º, XVI). Também podem ser citadas a Resolução nº 5.945/2021, sobre procedimentos relativos às solicitações de suspensão e supressão de serviços de transporte ferroviário e de desativação de trechos no âmbito das concessões ferroviárias, e a Resolução nº 5.946/2021 que alterou ou revogou diversas Resoluções passadas da ANTT que tratavam sobre transporte de carga.

As novas resoluções demonstram a atenção da agência reguladora com o setor ferroviário, proporcionando, já no campo infralegal, normas que almejam a segurança jurídica no setor. Nesse campo já há sinais claros de mudança em curso.

O Ministério da Infraestrutura e sua atuação no setor

O objetivo de atração de investimentos privados, inovação e expansão da malha de transportes no país vem sendo prioridade da pasta da infraestrutura. Segundo balanço publicado pelo governo federal, foram contratados, no primeiro semestre do ano de 2021, quase R$ 19 bilhões em investimento em infraestrutura, o setor de transporte de cargas em ferrovias apresentando crescimento de 13,7%, mesmo com as restrições orçamentárias ocasionadas pela pandemia de COVID-19.

O ministro Tarcísio Freitas chegou a afirmar que o país vive “uma revolução ferroviária em curso” com crescimento considerável em setores agrícolas, de combustíveis e de granéis minerais. Para garantir o crescimento, viabilizando investimentos, mesmo na pandemia, houve renovação antecipada de contratos de concessão. Merecem destaque o leilão do primeiro trecho da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol), na Bahia, e as expectativas para a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) e para a Ferrogrão.

Segundo reportagem da AgênciaInfra, o Ministério está disposto a apoiar “qualquer instrumento normativo válido que facilite a construção de novas ferrovias” e já acumulou mais de R$ 30 bilhões em investimentos contratados para o setor desde 2019.

Nesse cenário, faz parte dos objetivos do Ministério a aprovação do Projeto de Lei nº 261/2018 para que seja possível a construção de ferrovias por autorização, aumentando ainda mais o percentual de relevância do modal no país. Estuda-se, caso não haja avanços na deliberação da matéria pelo Poder Legislativo, a edição de uma Medida Provisória sobre o tema, estimulando que a questão ferroviária seja apreciada. Para o ministro Freitas, apenas seria possível utilizar o instituto da autorização após aprovação de lei.

Apesar disso, é de se ressaltar que alguns Estados, como Mato Grosso e Minas Gerais, já dispõem de planos para implementar ferrovias por autorização. No dia 19 de julho, por exemplo, o governo de Mato Grosso anunciou chamamento público para autorizar novas ferrovias entre Rodonópolis e Cuiabá e Lucas do Rio Verde, o que contraria a posição adotada pelo Ministério da Infraestrutura. Para o ministro Freitas, o governo estadual, que mobilizou apoio da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, está gerando um cenário de insegurança jurídica. Além disso, afirma que não se poderia autorizar essas ferrovias sem antes haver a licitação da Ferrogrão, sob risco de haver indevida concentração de mercado, prejuízo de produtores locais e de demais particulares interessados.

O novo enfoque para o PSL 261/2018

Desde 2018, tramita o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 261/2018, conhecido como o marco legal das ferrovias, que propõe sensível mudança no setor ferroviário. O Projeto prevê a possibilidade de que, mediante autorização do Poder Público, particulares possam construir e operar suas próprias ferrovias. Isso ocorreria sem prejuízo do uso de concessões para os casos em que seja oportuno e conveniente o investimento do Estado.

Idealizado com o intuito de incentivar o crescimento do setor, aumentando a abertura para investimento privado, o projeto inspira-se em experiências bem-sucedidas de outros países, assim como em bons resultados obtidos em outros, como o de telecomunicações. Dessa forma, além de permitir a autorização e estabelecer critérios para obtê-la, foram inseridos instrumentos como o reparcelamento do solo (land readjustment) – trata-se de um instrumento de parceria público-privado que funciona como alternativa à desapropriação para realizar rearranjo fundiário – para se viabilizar a implantação de novas linhas (é possível saber mais neste estudo veiculado pelo Senado Federal).

A partir desse projeto, rumos regulatórios diferentes se projetam para a infraestrutura ferroviária, abrindo espaço para a autorregulação do setor e para a exploração ferroviária sob regime de direito privado, mitigando o criticado engessamento no setor.

Não se pode desconsiderar, contudo, os perigos de um cenário com problemas concorrenciais advindos da assimetria regulatória entre concessionárias e autorizatárias, fator que pode vir a ser enfrentado por futuras regulações. Nesse sentido, a norma deve buscar equilibrar o incentivo à entrada de novos players com a minimização de eventuais problemas concorrenciais.

As ferrovias encontram um papel central nas discussões atuais na atividade de infraestrutura do país. A equipe de Direito Público do Bocater continuará acompanhando as novas mudanças para o setor ferroviário, assim como os seus desdobramentos.

Fernando Ferreira, advogado (fferreira@bocater.com.br)
Paulo Eduardo Rocha, estagiário (procha@bocater.com.br)

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