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5G em pauta: as recentes decisões de STF e TCU e seus impactos no setor de telecomunicações

O setor de telecomunicações vem aguardando ansioso a conformação da nova tecnologia do 5G no Brasil. Trata-se da nova geração da internet, com tecnologia capaz de aumentar diversas vezes a velocidade de download e upload de dados se comparada aos mecanismos atuais, propiciando sensíveis avanços na área de internet das coisas[1] (internet of things – IoT). O 5G, com faixas de frequência mais altas que o 4G, tem capacidade maior de transmissão de dados, mas encontra dificuldade de propagação, pelo bloqueio de objetos físicos, em decorrência do menor tamanho de onda.

 

Nesse contexto, conformar um modelo regulatório eficiente, que proporcione a entrega de um serviço qualificado, ao passo que garanta acessibilidade para a população impõe, mais do que um desafio logístico à Administração Pública, a conformação de um ambiente jurídico que forneça segurança, previsibilidade e, ao menos, evite atuar como barreira ao eficiente investimento na área. Para tanto, no início do mês de fevereiro, o Governo Federal enviou uma missão, chefiada pelo ministro da Comunicações Fábio Faria, para buscar informações em cinco países (na Suécia – em 3 e 4 de fevereiro -, na Finlândia – em 4 a 6 de fevereiro -, na Coréia do Sul – em 7 e 8 de fevereiro -, no Japão – em 8 e 9 de fevereiro – e na China – 9 e 10 de fevereiro-) e delinear diretrizes para o desenvolvimento da tecnologia de 5G no Brasil, a partir de leilão a ser realizado no primeiro semestre de 2021.

 

É de se ressaltar que dentre os membros enviados à missão constam três ministros do Tribunal de Contas da União (TCU): Bruno Dantas, Vital do Rêgo e Walton Alencar. Essa configuração já sinaliza o papel fundamental a ser desempenhado pela Corte de Contas para a implementação ordenada da nova tecnologia. Sobre isso, o TCU já acompanha e vem manifestando abertura em relação às movimentações relacionadas ao leilão do 5G que se desenha. Em recente decisão no Acórdão 325/2021[2] – Plenário, sobre representação proposta pelo Ministério Público (MP) junto ao TCU, os julgadores sequer a conheceram, entendendo que não há indícios de quaisquer irregularidades no leilão que se aproxima.

 

Do caso, dois aspectos chamam atenção: (i) o TCU está acompanhando com atenção os acontecimentos relativos às movimentações sobre o 5G, e, inclusive, os autos do processo que deu origem a esse acórdão foram apensados, a título de subsídio, ao TC 000.350/2021-4, que trata de fiscalização da matéria; e (ii) foi explícito fator de persuasão, para afastar a hipótese de cerceamento de participação e falta de higidez no procedimento licitatório, o fato de ministros do TCU terem acompanhado a missão que teve por finalidade mobilizar informações sobre 5G, inclusive indo à China e conversando com representantes da Huawei[3].

 

Também o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 18 de fevereiro, matéria de alto impacto para os rumos da implementação do 5G no país. Nos autos da ADI 6428, questionava-se a constitucionalidade da dispensa das concessionárias de serviços de telefonia e TV a cabo de contraprestação pelo direito de passagem em vias e bens públicos para instalação de infraestrutura de telecomunicações. Em votação com ampla maioria pela improcedência do pedido, vencido o ministro Edson Fachin[4], estabeleceu-se que a dispensa de contraprestação, além trazer benefícios práticos para o consumidor na redução dos custos para a implantação e expansão da infraestrutura, permite que o bem público cumpra, de maneira mais robusta, sua função social. Além disso, a fundamentação trazida pelo ministro Alexandre de Moraes, e seguida pelo ministro Barroso, versa sobre a dispensa ser uma forma de mitigar os desafios e desigualdades regionais de universalização do acesso aos serviços de telecomunicações, sob prisma nacional. Nesse entendimento, a existência de regimes próprios em cada localidade relativos ao direito de passagem representaria entrave grave para a prestação do serviço público em caráter nacional, gerando insegurança jurídica.

 

Essa decisão atinge ponto sensível para o contexto de implementação de tecnologia de 5G uma vez que evita aumentos de custos nas tarifas cobradas dos consumidores de serviços de internet e telefonia, assim como confere estabilidade aos contratos firmados até então, propiciando ambiente de maior estabilidade. A perspectiva é de um cenário jurídico aberto para a recepção da tecnologia, os órgãos decisórios dispostos a manter entendimentos condizentes com as demandas geradas pelas novas possibilidades.

 

Ante esse cenário, no dia 26 de fevereiro o site do Governo Federal publicou notícia sobre aprovação, pela Anatel, do edital do leilão do 5G. Segundo informa, o documento passará pelo crivo do TCU e, após retorno à Anatel, estima-se a realização do leilão do 5G ainda no primeiro semestre de 2021. Nas palavras do ministro das Comunicações, Fábio Faria:

 

“Nós teremos condições de cumprir o prazo e fazer com o que o Brasil possa realizar logo o seu leilão. Esse é um marco para o desenvolvimento do país. É o padrão tecnológico mais elevado para os serviços móveis”

 

A expectativa do presidente da Anatel é de que se trate do maior edital de outorga de direito de uso de radiofrequência da agência, em que serão ofertadas as frequências de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, prevendo como compromissos o investimento em cobertura, obrigando empresas vencedoras a prestar tecnologia 4G ou superior para localidades pouco ou não servidas. Estima-se, ainda segundo a notícia, investimentos na ordem de R$ 1,5 bilhões.

 

Esses fatores indicam que as instituições se conformam com tendência à receptividade da nova tecnologia e dos investimentos para a sua implementação, restando acompanhar se essa tendência se manterá.

 

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando os desdobramentos do tema, as inovações normativas atinentes às medidas de regulação do 5G e a implementação do edital do leilão.

 

Fernando Ferreira, advogado (fferreira@bocater.com.br)

Ana Carolina Alhadas, advogada (avaladares@bocater.com.br)

Paulo Eduardo Rocha, estagiário (procha@bocater.com.br)

[1] Conceito que se relaciona à conexão entre objetos inanimados, em que se permite o armazenamento mútuo de informações entre tecnologias, potencializando a automatização do cotidiano e das empresas.

[2] O caso versa sobre representação, com pedido de medida cautelar, a respeito de possíveis indícios de irregularidades relacionadas à proposta do edital de licitação das frequências de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, tendo por objeto a realização do Leilão da Rede 5G. A alegação central foi, segundo síntese proposta pelo próprio Ministro relator do caso, em voto, de supostos “indícios de que o futuro Leilão do 5G pode se realizar com a eventual exclusão da empresa Huawei, sem que essa decisão se ampare em critérios técnicos e concorrenciais claros”, o que configuraria a ampliação de “incertezas e inseguranças jurídicas que podem prejudicar a finalidade precípua da licitação e o seu objetivo último: a prestação de adequado serviço à população”

[3] Apontou o Ministro Relator Raimundo Carreiro, em seu voto: “Como bem lembrado pela SeinfraCom, entre os dias 2.2.2021 e 12.2.2021, o Ministério das Comunicações chefiou missão oficial interministerial, da qual fizeram parte os Ministros deste Tribunal Walton Alencar Rodrigues, Bruno Dantas e Vital do Rêgo, que visitou cinco países nos quais há fabricantes de equipamentos de 5G, incluindo a China, cuja visita oficial ocorreu entre os dias 9/2/2021 e 10/2/2021, oportunidade em que foram mantidos encontros com autoridades governamentais e executivos da Huawei. Trata-se, portanto, de fato comprovado que induz a conclusão oposta àquela sustentada na matéria jornalística citada na presente Representação.”

[4] O Ministro Fachin entendeu que havia inconstitucionalidade decorrente da invasão, pela União, da competência de Estados e Municípios em obter remuneração pelo uso da infraestrutura pública, sendo, a respeito do mérito, voto vencido.

Autores

Fernando Ferreira, Ana Carolina Alhadas e Paulo Eduardo Rocha

Área de atuação

Infraestrutura e Regulação

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