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STF retoma julgamento sobre tributação de operações com software via download

No último dia 4 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou julgamento relacionado a tributação de operações com software realizadas via download, por meio da análise conjunta das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1945 e 5659, que questionam leis dos Estados do Mato Grosso e de Minas Gerais, respectivamente.

A ADI 1945, proposta em 1999 pelo então PMDB (atual MDB), teve seu julgamento iniciado em 17 de abril,  em plenário virtual, e contesta o dispositivo da Lei do Estado do Mato Grosso n. 7.098/98, que prevê a incidência de ICMS sobre as operações com software, ainda que realizadas via download.

A ADI 1945 já havia sido incluída na pauta de julgamento do STF outras três vezes, sendo retirada por motivos diversos, o que especula-se ser em razão da pressão dos órgãos representativos de classe para que todas as ações que envolvem o tema fossem julgadas conjuntamente, de forma a analisar também os novos meios de comercialização, como serviços de streaming e hospedagem. Após os votos dos ministros Cármen Lúcia (Relatora) e Edson Fachin, que julgavam parcialmente prejudicada a ADI 1945 quanto ao § 3º do artigo 3º da Lei mato-grossense e, na parte remanescente, julgavam improcedente o pedido, mantendo a tributação dos softwares pelo ICMS, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pediu vista do processo.

Toffoli é relator de outro caso relacionado ao tema, a ADI 5659, proposta pela Confederação Nacional de Serviço (CNS), que também questiona a tributação de software pelo ICMS definida por uma lei do Estado de Minas Gerais.

No início de novembro, o STF retomou o julgamento, agora conjunto das duas ADIs. A sessão teve início com o voto de Dias Toffoli, que se manifestou pela incidência do ISSQN sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador. Para ele, o licenciamento ou a cessão de direito de uso de software, padronizado ou por encomenda, enquadra-se no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, independentemente de a transferência do uso ocorrer via download ou por meio de acesso à nuvem.

Isso porque, no seu entendimento, a elaboração de um software é um serviço que resulta do esforço humano (obrigação de fazer), que está presente no esforço intelectual e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário, como, o help desk, a disponibilização de manuais, as atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato de licenciamento.

Votaram no mesmo sentido os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. E, na conclusão, pelo afastamento da incidência do ICMS sobre o licenciamento e a cessão de direito de uso de software, o ministro Marco Aurélio, que divergiu apenas com relação à modulação de efeitos.

Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes acompanharam o voto da Carmen Lúcia, pela incidência de ICMS sobre o licenciamento de software padronizado (ou de prateleira). No seu entendimento, quando a criação intelectual é produzida em série e há atividade mercantil, deve incidir o ICMS e não o ISSQN, de forma que os softwares só não são considerados mercadoria quando se contrata o serviço para desenvolvê-los (software personalizado).

Após os votos dos nove ministros, seis pela incidência do ISSQN sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador e três pela incidência do ICMS, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, pediu vista.

O STF não analisa a questão de licenciamento de software e tributação desde o final da década de 90, ou seja, há mais de 20 anos. Até o momento, a jurisprudência do STF é no sentido de que a base física que hospeda o software, quando vendida em escala, torna-se tangível, ou seja, é considerada uma mercadoria e por isso sujeita à incidência de ICMS.

A tecnologia mudou de forma drástica com o passar do tempo, não só do ponto de vista da comercialização dos programas de computador, que antes eram apenas em meio físico, como disquete e CD ROM, mas também as tecnologias oferecidas, constantes atualizações e formas de licenciamento (perpétua e provisória).

Assim, conceitos antigos analisados pelo STF já não se aplicam mais como a diferenciação entre software por encomenda e software de prateleira. É em meio a essa indecisão da jurisprudência que os estados voltaram a cobrar ICMS, desta vez sobre o próprio licenciamento, ou seja, sem mercadoria, sem transferência de titularidade, criando esse conflito entre estados e municípios.

Além dessas duas ações, atualmente estão pendentes de julgamento outras três ações no STF sobre a suposta tributação das operações com software, duas sobre a incidência de ICMS (ADI 5576 ajuizada pela CNS, que questiona a constitucionalidade do Decreto 61.791/2016, do Estado de São Paulo;  e ADI 5958 ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação – BRASSCOM, que questiona o Convênio ICMS 106/17) e uma que discute a incidência de ISS sobre contratos de licenciamento ou de cessão de software personalizado (RE 688.223, interposto pela TIM).

Espera-se que com a finalização do julgamento seja estabelecida uma certa coerência conceitual das novas atividades que envolvem a economia digital e os serviços relacionados à Internet, não somente no que afeta o campo de incidência do ISS e ICMS, mas como também dos outros tributos que podem incidir sobre tais atividades.

Para tanto, algumas questões precisam ser analisadas pelo STF como o conceito de programa de computador definido pela Lei n. 9.609/1998[1], a natureza do contrato de licenciamento de software e a diferenciação dos contratos de compra e venda, com alteração da titularidade.

 

Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, sócio (amonteiro@bocater.com.br)
Luciana I. Lira Aguiar, sócia (laguiar@bocater.com.br)
Francisco Lisboa Moreia, sócio (fmoreira@bocater.com.br)
Rachel Mira Lagos, advogada (rlagos@bocater.com.br)

  1. Prevê que o software é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada contida em suporte físico de qualquer natureza.

Autores

Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, Luciana I. Lira Aguiar, Francisco Lisboa Moreia, Rachel Mira Lagos

Área de atuação

Tributário

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