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Reforma Tributária. Pílulas de Informação – n.5: a CBS incide sobre dividendos?

Passadas as primeiras semanas de edição do PL 3387/2020, que pretende instituir a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), percebe-se um certo desconforto sobre a abrangência de sua hipótese de incidência, basicamente por dois motivos: (i) a dificuldade de interpretar seus dois primeiros artigos em conjunto, e (ii) o fato de o projeto não trazer uma relação de receitas que não estariam sujeitas à CBS. Restam dúvidas se a CBS poderá incidir sobre receitas como dividendos, equivalência patrimonial, venda de ativos não circulantes, receitas financeiras, dentre outras.

Em relação aos dividendos, a dúvida fica ainda maior quando a receita é auferida por uma sociedade holding, ou seja, aquela que basicamente detém investimentos em outras sociedades. O Pílulas no. 5 pretende abordar esse tema e para isso são propostas as questões abaixo:

O que dizem os artigos 1º e 2º do PL 3887/2020?

Os artigos 1º e 2º do PL 3387/2020 tratam da hipótese de incidência da contribuição. Enquanto o art. 1º determina em que a CBS incide sobre as “operações com bens e serviços”, o art. 2º dispõe que a CBS “incide sobre o auferimento da receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77”.

Ressalta-se o fato de os dois artigos terem o mesmo núcleo verbal (“incide”), apesar dos respectivos complementos serem distintos, sendo este um ponto passível de aprimoramentos. A despeito disso, o esforço de interpretação em conjunto dos dispositivos resulta na conclusão de que a hipótese de incidência da CBS dever considerar auferir receita bruta que decorra dos conceitos amplos de bens e serviços, ou seja, itens passíveis de consumo.

Essa conclusão tem por fundamento não apenas a leitura sistemática dos artigos, mas também a análise detida da Exposição de Motivos do PL e das informações consignadas no Perguntas e Respostas[1] disponibilizado pelo Ministério da Economia, no qual constam as seguintes diretrizes:

Considerando, portanto, a premissa de que a CBS é um tributo que incidirá de forma ampla sobre receitas decorrentes de transações econômicas com itens passíveis de consumo, fica evidente que, ainda que dividendos possam ser entendidos como parte das receitas brutas de uma entidade, nos termos do art. 12 do DL 1598/77, falta a essa receita uma característica fundamental para atrair a tributação: ser decorrente de transação com item passível de consumo.

Assim, dividendos, em regra geral, não estão contemplados no conceito de receita bruta e, mesmo quando forem auferidos por holdings, ainda estarão fora da hipótese de incidência da CBS.

É preciso haver uma relação de receitas excluídas do conceito de receita bruta?

De acordo com a teoria dos conjuntos, todos os elementos que guardem uma mesma característica podem ser agrupados, formando um conjunto. A relação básica entre um conjunto e o elemento que o compõe é chamada de relação de pertinência, que define se um elemento pertence ou não ao conjunto.

Apesar da teoria ser matemática, ela é bastante útil diante de questões como a apresentada. A CBS incide sobre “receita bruta decorrente de itens (bens ou serviços) passíveis de serem consumidos”, esse é o “conjunto receita bruta tributável”, todas as demais receitas não guardam relação de pertinência e, portanto, não compõe a hipótese de incidência, por isso não precisam ser excluídas expressamente. Esse parece ter sido o raciocínio empregado para a redação do PL, como se depreende do seguinte trecho das respostas publicadas pelo Ministério da Economia:

1.14. “Em virtude da adoção da receita bruta como fato gerador da CBS, pôde-se simplificar a legislação anterior e se tornou desnecessária a especificação de diversas situações em que pessoas jurídicas ou receitas estariam isentas porque simplesmente não ocorrerá o fato gerador da contribuição.”

(…)

Aplicando a teoria dos conjuntos, o texto denota ser desnecessário excluir algo que não esteja incluído em um determinado conceito. É o que ocorre com receitas oriundas de pagamento de dividendos, entre outras.

É desejável deixar tudo isso mais claro?

A resposta a essa pergunta volta à imagem tradicional da teoria matemática dos conjuntos. Certamente alguns elementos terão a relação de pertinência com a hipótese de incidência estabelecida sem qualquer discussão. É certo também que outros estarão fora desse universo. Contudo, alguns casos poderão estar na parte cinzenta, da figura abaixo, possibilitando dúvidas e interpretações divergentes.

O objetivo do atual projeto é simplificar regras, aumentar a segurança jurídica e reduzir o histórico contencioso tributário brasileiro. Considerando a cultura de desconfiança infelizmente construída depois de tantos anos de acaloradas e infindáveis controvérsias relacionadas à incidência de PIS e COFINS, é certo que delimitar a hipótese de incidência de forma bastante clara é mais do que desejável.

Nas próximas edições do “Pílulas de Informação” traremos algumas sugestões de aprimoramento.

Equipe Bocater (contato@bocater.com.br)

  1. Disponível em:https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/perguntas-e-respostas.pdf

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

Área de atuação

Tributário

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