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CVM edita nova resolução sobre divulgação de atos e fatos relevantes

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou, em 23 de agosto, a Resolução CVM nº 44, sobre a divulgação de atos e fatos relevantes pelas companhias abertas, revogando a norma anteriormente então vigente (Instrução CVM nº 358/02). A norma foi editada no âmbito do processo da Agenda Regulatória 2021, de revisão e consolidação de atos normativos, e entrou em vigor em 1º de setembro.

As principais alterações promovidas tratam de: (i) presunções de uso indevido de informação privilegiada; (ii) vedação objetiva à negociação de valores mobiliários antes da divulgação de informações trimestrais ou anuais; (iii) planos individuais de investimento e (iv) política de divulgação de informações.

A Resolução é resultado da Audiência Pública CVM nº 06/2020, feita com o objetivo de aperfeiçoar a disciplina da matéria, em alinhamento à jurisprudência da CVM, consolidada ao longo dos anos com o julgamento de casos envolvendo acusações de uso indevido de informação privilegiada – tema de grande relevância para o mercado de valores mobiliários.

Dentre as modificações, destaca-se a contida no art. 13, §1º da nova norma, que instituiu um regime de presunções relativas, para fins da configuração do ilícito de negociação indevida de valores mobiliários, admitindo prova em sentido contrário, pelo acusado.

Assim, a norma deixou presumido que: (i) a pessoa que negociou valores mobiliários, dispondo de informação relevante ainda não divulgada, fez uso de tal informação; (ii) acionistas controladores, conselheiros de administração e fiscal, diretores e a companhia possuem acesso a todas as informações relevantes ainda não divulgadas, em relação às operações com valores mobiliários da companhia; (iii) além das pessoas anteriormente listadas, aquelas que mantiveram relações comerciais, profissionais ou de confiança com a companhia, sabiam que se tratava de informação privilegiada no momento do acesso à informação; (iv) os administradores que se afastaram da companhia, de posse de informação relevante não divulgada, estarão negociando com informações privilegiadas, se a operação ocorrer nos 3 meses seguintes à data do seu desligamento da companhia; (v) as informações acerca de (v.1) operações societárias (incorporação, cisão, fusão, transformação, mudança no controle da companhia, ou outra forma de reorganização ou combinação de negócios), (v.2) decisão de promover o cancelamento do registro de companhia aberta ou (v.3) mudança no segmento de listagem ou ambiente de negociação de suas ações serão consideradas relevantes, a partir do momento em que se iniciarem estudos ou análises a respeito; (vi) serem relevantes as informações relacionadas à pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência promovidos pela própria companhia, a partir do momento em que iniciados estudos nesse sentido.

A Resolução também instituiu uma vedação objetiva à negociação dos valores mobiliários (ou a eles referenciados) pela própria companhia, pelos acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal, no período de 15 dias antecedentes à data da divulgação das informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais da companhia, independentemente do conhecimento acerca do conteúdo dessas informações, conforme disposto no art. 14 da Resolução.

Além disso, a Resolução flexibilizou as exigências relacionadas aos planos individuais de investimento e desinvestimento. Facultou às pessoas que tenham algum tipo de vínculo com a companhia, e estejam sujeitos às presunções do art. 13, §1º, formalizar tais planos e regulamentar a negociação com os valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados, afastando a incidência das presunções.

Os planos de investimento ou desinvestimento podem permitir a negociação de valores mobiliários de emissão da companhia no período vedado, desde que: (i) a companhia tenha aprovado cronograma para divulgação das informações contábeis trimestrais e das Demonstrações Financeiras anuais e (ii) haja previsão de reversão à companhia de perdas evitadas ou ganhos potenciais em negociações, apurados por critérios definidos no plano, se houver alteração nas datas de divulgação das informações contábeis.

A adoção de plano de investimento ou desinvestimento pela companhia, seus controladores, diretores, membros do conselho administrativo, do conselho fiscal e órgãos estatutários técnicos ou consultivos depende de autorização na política de negociação aprovada pela companhia e, ainda: (I) de formalização do plano perante o diretor de Relações com Investidores e (II) de ser verificada a sua aderência ao plano, pelo conselho de administração, ou outro órgão, ao menos semestralmente.

Por fim, destaca-se a alteração constante do art. 17 da Resolução, relacionada à obrigação de a companhia aberta adotar política de divulgação de ato ou fato relevante e procedimentos relativos ao resguardo do sigilo quanto às informações não divulgadas. A autarquia restringiu a aplicação do dispositivo às companhias que cumulativamente: (i) estejam registradas na categoria A, (ii) tenham sido autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores e (iii) detenham ações em circulação, assim consideradas as ações da companhia, excluída as de titularidade do controlador, das pessoas a ele vinculadas, dos administradores e daquelas mantidas em tesouraria.

Embora seja reconhecido o aperfeiçoamento que trouxe à regulamentação do uso de informação relevante, não divulgada, a Resolução tem recebido críticas de entidades e profissionais de direito e atuantes de mercado relativas ao regime de presunções (constante do seu art. 13), na medida em que acarreta a inversão do ônus probatório, que deveria caber à autoridade acusadora, mas transferiu ao acusado a difícil incumbência de produzir prova negativa de ocorrência do ilícito, o que pode vir a gerar injustas penalizações.

João Laudo de Camargo, sócio (jcamargo@bocater.com.br)
Maria Isabel do Prado Bocater, sócia (isabel@bocater.com.br)
Luiza Rangel de Moraes, sócia (lrangel@bocater.com.br)
Beatriz Sampaio Gonçalves de Lucena (blucena@bocater.com.br)
Thaís Targueta Hespanha Matt, estagiária (tmatt@bocater.com.br)

Autores

Bocater, Camargo, Costa e Silva

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